“A RELIGIÃO E A SAÚDE DOS INCAS E A SUA REMANESCENTE EM TEMPOS MODERNOS”


Este ensaio pretende revelar a religião do povo Inca em seus aspectos pré-colombianos e atuais, além de fazer uma comparação entre as técnicas de saúde alternativa tribal e metodologia científica atual. A religião e saúde dos Incas estão relacionadas no remanescente moderno.


INTRODUÇÃO

Este Ensaio faz parte de uma proposta acadêmica que apresentei no Encontro Cientifico da Faculdade UNISUAM-RJ, na ocasião de minha formação em Ciências da Saúde. Neste procuro explicar ainda alguns costumes do chamado "remanescente do xamanismo Inca", além desta prática ser de suma importância para a manutenção da saúde pública dentro da cultura do Altiplano andino.


MOTIVAÇÃO
  
O motivo maior que despertou o meu interesse sobre o proposto tema, foi o fato de ter percebido a pouca abordagem do assunto em meios acadêmicos e científicos, e também a grande contribuição que este assunto poderá trazer aos pesquisadores interessados pelo mesmo. Além disso, a pesquisa em antropologia religiosa e cultural sempre me despertou interesse.


UM POUCO DE HISTÓRIA

                        “Todas as pessoas afirmam que os deuses também tinham um rei, 
                          pois elas mesmas sempre tiveram um, no passado ou no presente; 
                    pois os criam deuses à sua imagem, não apenas no que concerne à forma,
                                   mas também no que diz respeito ao seu modo de vida”.

(Aristóteles – Tomo 52)

Como muitos povos antigos, os Incas criaram símbolos sagrados que funcionavam para sintetizar “ethos” de um povo, o caráter e a qualidade de vida e os estilos morais que propagariam uma estética única de visão do mundo, na América Pré-colombiana.

No decorrer da história desta cultura milenar, que muito antes da implantação do Tahuantinsuo¹. Sua cosmologia já idealizava este aspecto totêmico no que se diz respeito à deidade.

A união do sol e da lua, não era considerada tabu, mas uma representação cosmogônica que justificava o hábito ancestral de desposar a irmã para se preservar o poder e tornar hegemônica sua ideologia. 

O antropomorfismo² era caracterizado no topo de uma pirâmide hierárquica da divindade, sendo subdividida em divindades zoomórficas e homens divinizados com funções serviçais. Além dessa função, era possível também verificar a veneração a Totens e múmias

SAPA INCA - Primeiro Imperados-Deus INCA
Os Incas viveram na região da Cordilheira dos Andes. Possuíam um vasto império que se estendeu desde a Argentina, Chile, Bolívia, Peru e Equador. Foram dizimados em 1532, pelos espanhóis, sob o comando do colonizador Pizarro.

A sociedade Inca era formada por:

NOBRES: governantes, chefes, militares, juízes e sacerdotes.
CAMADA MÉDIA: funcionários públicos e trabalhadores especializados.
CLASSE MAIS BAIXA: Artesãos e camponeses.

Sendo o imperador considerado uma espécie de deus na terra, recebia o título de “SAPA Inca”. 

A hierarquia da divindade também variava entre deuses antropomórficos:
  • Principal Divindade era Inti - o sol,  representado e venerado através de suas teofanias em todo o império;
  • Deuses zoomórficos: o condor e o jaguar eram os principais venerados dentre tantos outros animais considerados sagrados. 
  • Huiracocha” (Viracocha, esp.) - Criador de tudo e também considerado grande profeta do povo Inca.

A dominação Inca se deu à partir de inúmeras guerras que trouxeram benefícios bélicos, mão-de-obra servil, títulos de nobreza e seres humanos para sacrifícios aos deuses Incas.

Os sacrifícios eram constantes e eram realizados para obtenção de graças, boa colheita, cura e também vitalidade. 

Em relação à perpetuação das crenças e costumes e sua importância nos dias atuais, é possível observar vestígios desses ritos em algumas localidades rurais do remanescente inca, apesar da proibição de tais práticas em toda a Bolívia e Peru às margens do Titicaca³.




Na praça do templo principal de Cajamarquilla, foram achados indícios de sacrifício humano, (foi achado apenas um esqueleto humano), com as mãos amarradas (nas costas), o esqueleto do homem, continha marcas de um assassinato brutal, seu maxilar estava esfacelado e partido em 3 pedaços, em condições parecidas, encontrava-se a sua pelve, indicando um forte golpe no crânio, e na virilha.

Com a ossada, em covas separadas, foram encontrados os esqueletos de uma Lhama, e em outra cova, a de um condor. Ambas as covas continham fragmentos de uma mesma cerâmica (espécie de vaso sacrifical). 

Os animais, de um modo em geral, junto aos habitantes dos Andes), eram considerados animais sagrados. Existem indícios (em cerâmicas andinas), de uma iconografia que retrata um condor cavalgando nas costas de uma lhama, (que corre pelos prados, cordilheiras e pampas andinos).

Vôo dos deuses - Condor sobrevoando o Altiplano - Nazca-PE.

Acreditava-se, que isso, fossem apenas fatos fictícios, mas, a sepultura destes dois animais (ao lado do homem sacrificado) indica algo “mais concreto”. Talvez, amarrassem o Condor nas costas da Lhama, e antes de sacrifica-los, deixavam a Lhama correr pelo local (com o Condor amarrado à suas costas).

Outra cena na cerâmica, retrata o condor bicando os olhos do moribundo - suposto homem sacrificado. Presume-se que seja um ritual verídico, na intenção de pedir proteção para a comunidade.

A partir de uma análise simbólica, homem representaria o povo, a Lhama a terra, e o condor, um mensageiro divino. Este ritual, marcou a construção do templo maior e principal de Cajamarquilla.

Enquanto voltava do Peru pela rodovia que liga Cochabamba à Puno, pude conhecer um professor de história do Ensino médio de Cuzco. Enquanto preparávamos para atravessar a fronteira entre Bolívia e Peru, o professor me contou um relato recente na época (01/2008) sobre o assassinato de uma criança de 6 anos e outra de 15 anos em Arequipa. 

Segundo o Professor Castro, o achado estava de acordo com ritos locais, mas a polícia abafou o caso para não trazer alardes internacionais. Acredita-se que além dos sacrifícios de animais anuais no período das festividades religiosas, também hajam sacrifícios humanos, mesmo que de forma oculta nos dias atuais.


Fonte: TVNet

Essa crença xamanista presente em nossos dias demonstra claramente a sobrevivência desse costume. Alguma escolas peruanas, como Escuela Inkari de Medicina Tradicional (Tradição Inca), procura de certa forma expandir a cultura xamanista local, de modo a dificultar o avanço da ciência no local. 

Vale ressaltar, que este espaço não intenciona uma análise crítica sobre a cultura e práticas xamânicas. Existe de nossa parte uma disposição para a compreensão e diálogo sobre essas crenças e práticas culturais.

Sendo nosso objetivo maior, traçar um paralelo entre a religião e saúde dos Incas em dias antigos e atuais, provocamos uma discussão maior acerca do que se pode fazer em prol às políticas de saúde em países sub-desenvolvidos da América latina à partir desta tradição. 


DISPOSIÇÃO PARA POLÍTICAS DE SAÚDE PUBLICA NO MERCOSUL

A grande escassez de profissionais qualificados e o baixo investimento dos governantes locais, Além dos conflitos permanentes e interesses de milícia,  permite a perpetuação dos ritos xamânicos em toda a região, o que,  dificulta o avanço da medicina tradicional. 

Nesse pano de fundo, doenças tais como, leishmaniose, febre amarela, poliomelite, catapora, varicela, hepatite, câncer pélvico-uterino, não são controladas, apesar de todo avanço da mecina moderna. 

Essas e outras doenças poderiam ser combatidas e erradicadas com maior precisão se não fosse tão comum e reforçada, a procura pela medicina natural-popular, e ocorressem maiores investimentos na saúde pública.

As estatísticas mostram que um quarto do sangue utilizado em hospitais é testado de forma inadequada, o que permite uma margem significativa para aumento da transmissão de hepatite e HIV. Os curandeiros Incas não tem formação médica e seus tratamentos são baseado nas crença e conhecimento ancestral perpetuado de forma oral.


A CONQUISTA DO ANDES E A PERPETUAÇÃO DA TRADIÇÃO INCA

A primeira civilização Inca surgiu em Chavim, cerca de VIII a.C. Existem, porém, indícios arqueológicos que traçam marcas dessa civilização á partir do século II da nossa era, onde essa cultura se destaca no andes pelo seu poderio e ritos, principalmente ao redor do Titicaca. 

Lago  Titicaca - Vista de Puno - PE.
UM POUQUINHO DA LENDA

A criação

Caminhava pelas imensas e desertas pampas da planície, Huiracocha Pachay Aichao – o criador das coisas – depois de haver criado o mundo em um primeiro ensaio (sem lua, sol e sem estrelas). Mas quando viu que os gigantes eram muito maiores que eles disse:

 “Não é conveniente criar seres de tais dimensões, 
parece-me melhor, que tenha minha própria estatura!”.

Assim Huiracocha, criou os homens, seguindo suas próprias medidas, tal como são hoje em dia aqueles que vivem na obscuridade. Huiracocha  tinha um templo dedicado a ele em todas as cidades do império, e sendo ele o criador, era o deus da saúde daquele povo, da vida. Todos os ritos estavam relacionados também á sua superioridade, por conta disso os enfermos eram consagrados a ele para a obtenção da cura.

A maldição

Huiracocha ordenou "los hombres” que vivessem em paz, ordem e respeito, para a obtenção da graça e saúde. Entretanto os homens se rendiam à vida ruim, aos excessos, e foi assim que deus criador os maldisse:

 “Transformá-los-ei em pedras ou animais e 
alguns cairão por terra e dizimarão na mesma.”

Uns se transformaram em montanhas, em pedras, plantas e animais, outros foram absorvidos pelas águas. Depois derramou o dilúvio, no qual todos vieram a perecer.

A segunda criação

Restando apenas três homens com vida, com o objetivo de lhes ajudar criar a Luz e ordenar que sol e lua brilhassem juntamente com as estrelas no vasto firmamento. Huiracocha recriou o mundo. Lhes deu alimento dos céus e saúde para reinassem sobre toda a terra.

Esse mito cosmogônico está presente em toda a região andina. Foi cristianizado em meados do século XVI. Jean-Claude Valla, em seu livro A civilização dos Incas (pg.83;101- RJ – 1978), procura explicar como a pregação de Viracocha é semelhante á de outros consideráveis líderes venerados como deuses locais: "Viracochapacha ou Tonapa, que as vezes é confundido com São Tomás bíblico, que poderia ter chegado até a região com a ajuda dos fenícios, grandes navegadores da época".

O cronista Pedro Cuza de Leon, afirma que “uma batalha fora travada nas margens do Titicaca, para combater os demônios que lá habitavam e influenciavam os homens a viverem como estas e contrário aos padrões morais”. Além disso, diz ainda que, Tonapa pregava a caridade no tocante à salvação. 

Não se pode traçar ao certo, quando Tonapa, semelhante à Jesus Cristo, passou a ser venerado, pois se este realmente fosse discípulo de cristo (São Tomás), este teria pregado em meados do séc. II da nossa era.

Em 1968, Wesley Craig, chefe da Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias, anunciou às multidões peruanas que vieram escutá-lo, que cem anos antes de sua crucificação, o “Senhor” percorreu as terras americanas sob o nome de Quetzalcoatl, Huiracocha e Tonapa, e pregou em Chanchán. Porém essas interpretações são consideradas arriscadas e rejeitadas como fábulas.

Como a implantação do cristianismo pelos espanhóis no império, muito do que se praticava em ritos foi sincretizado. O culto a Pacha Mama (mãe terra) voltado para rituais de fertilização, fora sincretizado pela veneração á Cida (Virgem católica correspondente a Aparecida). 

Huiracocha- homônimo de Quetzalcoatl (nascido das águas , criador dos céus e da Terra) passa a fazer parte da trindade, como o Pai. Inti (o sol), servo de Huiracocha, que exercia o papel de soberano no plano superior e considerado divindade popular, perde o lugar para a figura de Cristo. A lua: Mama Quilla (esposa do sol) é ocultada e as vezes confundida com uma das atribuições da virgem. 

Desta forma, o sincretismo também  ocorre com Mama Sara (mãe do Milho) e Mama Cocha (mãe do mar). Muitas das tradições Incas fora dizimadas pelos espanhóis, porém o remanescente dessa cultura milenar é contemplado na modernidade pela influência cultural e religiosa do xamanismo, nos em ritos e festividades.

Lago Titicaca - Iquito 





















PRÁTICAS RITUALÍSTICAS E O COMBATE AS DOENÇAS PELOS INCAS

"Para conhecer os homens, é mister conhecer seus deuses; mas seus verdadeiros deuses, os homens tem cuidado de ocultá-los”.

(Paul Valèry)


Pesquisas recentes revelam que entre os Aymarás (remanescente Incas que residem às margens do lago Titicaca), vivem de acordo com ritos e tradições que se perdem no tempo. De acordo com Dalton Delfini Mazeiro, pesquisador e expedicionário, que permaneceu três meses entre os peruanos e bolivianos: “Existem sítios arqueológicos muito mais importantes e maiores que Machu Picchu e que são desconhecidos. Os resquícios de antigas civilizações que encontrei, são de 1500 a.C. A civilização Inca surgiu por volta de 1300 d.C., ou seja, as ruínas pertenciam a uma civilização muito anterior”. 

Acompanhando as ruínas dessas civilizações pré-incaicas, percebemos que ritos bem semelhantes são hoje preservados através da cultura Ayamará, incluindo sacrifício de animais, como o lhama, indicado para ritos para adquirir saúde, prosperidade e proteção contra espíritos maus.
La calle Del Brujos - La Paz Bolívia
Acervo Autora

Filhote de lhama empalhado para ritual
Acervo Autora


A prisão de sapos em potes de cerâmicas sob o forte calor do altiplano, fazendo com que eles cantem, é outro tipo de ritual para obtenção de chuva e fim do calor. Geralmente são praticados pelo Yatiri – sábio e feiticeiro.

Como os Aymarás não tem noção do bem e do mal, apesar da forte influência católica na região, eles invocam costumeiramente a Supaya (relativo ao demônio cristão) para proteção e saúde.

Além das práticas ritualísticas xamânicas, existem outras crenças associadas à bruxaria, dentre elas, destacamos  “acullicar ou pijchar”, que significa “ato de mascar a folha de coca”. Esse costume existe há  mais de três mil anos entre os povos andinos. A folha de coca é sagrada, está relacionada a toda vida andina e é usada em todos os locais, desde  trabalho à festas, rituais religiosos e tratamento medicinal.
Ritual Mágico de Turistas europeus no Moray - 2009
Acervo Autora
Chris Viana - Moray - PE

A FOLHA DA COCA E SEUS FINS TERAPÊUTICOS 

REMANESCENTE DE UMA CULTURA MILENAR 

“Sois incas, pastores e senhores da criação! Sempre vencereis pelas forças dos vossos espíritos puros, onde quer que os seres humanos das trevas queiram vos oprimir e prejudicar. Porém, nunca deveis ficar desanimados e medrosos! Mas inteligentes corajosos e verdadeiros! O espírito convicto de sua missa contém uma força que penetra as trevas, trazendo a luz às maquinações dos maus!”

(Roselis Von Sass – A verdade sobre os Incas)

O uso da folha da coca pelos povos andinos remonta há mais de três mil anos. Em tudo se utilizava a erva. A descoberta de estátuas antropomórficas com uma protuberância em uma das bochechas demonstra o hábito de mascar a folha. No império Inca, havia inclusive, plantações estatais – seu uso tinha a ver com as relações de poder.

No século XVIII, os grandes produtores de coca eram os espanhóis. Eles chegaram a possuir grandes fazendas nas regiões de Yunas, e forneciam seu chá aos mineradores como fortificante para o trabalho nas minas de prata.

Esta região indígena baseia seus costumes nas tradições e ritos ancestrais. Creem que espíritos ancestrais estão encarnados em acidentes geográficos, tais como: morros, rios, lagos etc. Deste modo, todas as cerimônias utilizavam a folha de coca, do início ao fim do ritual.

Atualmente, o poder incaico é representado pelos Aymarás, habitantes do altiplano boliviano e peruano, onde se destacam alguns personagens, tais como o xamã Carlos Prado, que desenvolve um projeto associando a sabedoria dos Andes ao conhecimento científico. Esse trabalho é divulgado através da ONG KU.S.KA, que em quechua é a abreviação de “Juntos para viver melhor!”. Carlos Prado é médico naturista e clinica em Cochabamba ( Bolívia). Seu trabalho repercute internacionalmente. Ele sugere em seus trabalhos o uso das plantas nativas e milenares no tratamento de toxicomanias e outras doenças. 

Para alguns Jampiri (aquele que praticam a cura), o uso da flora típica, como a raiz do Ayuasca em rituais de beberagens alucinógenas, também é muito comum nos rituais. Para alguns estudiosos e praticantes da crença, o desafio maior é encontrar aspectos comuns na heterogeneidade andina no que se refere ao tratamento de doenças à partir da sua cosmovisão.

Os incas fizeram muitas descobertas farmacológicas. Usavam o quinino no tratamento da malária com grande sucesso. As folhas da coca eram usadas de modo geral como analgésicos, e para minorar a fome, embora os mensageiros Chasqui as usassem para obter energia extra. Outra terapia comum e eficiente era o banho de ferimentos com uma cocção de casca de pimenteiras ainda morna. Para isso explicaremos um pouco desta concepção.

Os povos andinos creem em Pachamama (mãe-natureza), e a partir disso dividem o universo em três planos: Terra de Cima, Terra em que Vivemos e Mundo Subterrâneo.


Acreditam que em cada um desses níveis habitam divindades maiores ou menores, com características de deuses atuando no mundo. Macro e microcosmo não estão separados e as doenças são. 

Segundo essa concepção resulta de todo e qualquer dano que se faça à natureza (Pachamama). Por isso a prática constante dos ritos. Para alcançarem a cura através de herbáceas denominadas “plantas de poder”, utilizam-nas nos rituais. 

No caso da folha de coca, a mais popular e antiga das herbáceas utilizadas em ritos, são feitos oráculos em suas folhas, além de utilizá-las para afastar maus espíritos e gerar sonhos.

No rito K’intu, por exemplo, o uso da folha de coca segue padrões, muito antigos. São utilizadas três folhas de tamanhos variados:

- 1ª folha (maior): Consagrada a Apus (espíritos da natureza)
- 2ª folha (média): Consagrada a Pachamama (entidade provedora da vida)
- 3ª folha (menor): Consagrada à humanidade. (representando todos os homens).

Ritual K'intú - Cemitério Copacabana Bolívia.
Acervo Autora
Cidade de Copacabana - Cerro Calvário - Ao fundo Lago Titicaca
Acervo Autora
No início do Império Inca, eles não conheciam a coca. Ela era era um conhecimento indígena. Apenas a família real fazia seu uso. Aos poucos foi popularizando seu uso no meio do povo. Eram levadas em “bolsinhas medicinais” juntamente com a “lifta” (resina utilizada para extrair princípios ativos das folhas).

Acervo Próprio
As sacerdotisas utilizavam como instrumento uma haste que na ponta tinha um beija-flor. Com o bico extraía-se a lifta para ser juntada ás folhas. A mascação dessas folhas favorecia seus organismos para suportarem os rituais mais pesados.

A entidade espiritual das folhas de coca, era La Cocamamas, que tinha inclusive, um templo dedicado a ela no Peru (Templo da Coca). No templo da serpente em meditação com as folhas de coca. 

Coriconcha - Destaca-se no complexo o Templo de Qorikancha ou Templo do Sol. Era um local sagrado de rituais e oferendas ao deus Sol, 
Acervo da Autora
O pesquisador peruano Küichy, explica o suco da folha de coca para fins terapêuticos: “ As folhas são mascadas com a nossa mente, nós deixamos que o líquido escorra por nossas almas”.

Conta uma lenda que quando Pizarro invadiu o Peru, eles queimaram as plantações de coca, não respeitando seus fundamentos sagrados. Pizarro mandou queimar o Templo de Cochamama com o objetivo de destronar a moral do povo. E conforme elas iam destruindo as plantações, os sacerdotes incas fizeram a seguinte maldição: “Assim como os brancos estão destruindo as folhas de coca, um dia as folhas de coca irão destruir os homens brancos”! (Possível alusão ao narcotráfico - cocaína)

A coca para os andinos não é considerada uma droga, mas uma dádiva da mãe terra. “ Se não existisse a coca o Peru não existiria!” – afirma um provérbio popular.

O uso da folha da coca para fins terapêuticos na ciência moderna já é uma proposta nos Congressos de Medicina Latino-Americanos. Entretanto é preciso o estabelecimento de uma política séria por parte dos pesquisadores e autoridades, para que estudos mais avançados venham comprovar cientificamente sua eficácia medicinal, e romper então com tabus e preconceitos; compreendendo então que “tudo o que a terra produz é dádiva dos céus!”

Hoje se afirma que a “cura está na Amazônia” -ossa floresta, que tem parte imensa em território boliviano e peruano,  possui a maior reserva de natureza do planeta. Nessa miscelânea, a coca faz parte desta dádiva. Uma das mais antigas civilizações remanescentes em nossos dias viesse a sobreviver em meio a um região escassa de alimentos ricos em nutrientes devido ao frio e altitude. 

Não compreendemos o porquê de tanta negligência por parte desse governo em cooperar para o estudo e aperfeiçoamento do uso da mesma para fins medicinais. Por isso usamos nosso espaço como provocativo e motivação. 

A FOLHA DA COCA E SEUS BENEFÍCIOS 

VERDADE OU MITO

“A coca enquanto natural não é cocaína!”

O argumento de pesquisadores e cidadãos comuns andinos é contundente. A cocaína é produzida pelo meio de um alcalóide da planta, através de um processo químico. A folha é de uso natural.

As propriedades medicinais da planta andina atuam nos sistemas: respiratório, digestório, circulatório e nervoso central. Os efeitos medicinais da folha da coca são como de um estimulante, além de melhorar o metabolismo, a oxigenação do sangue, a frequências respiratórias, o mal de altura (mal de puna ou soroche), diarreias, dores de cabeça, anemias, tirar a fome e ajudar em problemas estomacais. 

Devido ao seu efeito estimulante e revigorante, as folhas de coca são mastigadas pelos camponeses com o propósito de recarga das energias no duro trabalho empreendido nos campos e nas grandes altitudes. A composição da folha de coca contém fósforo, ferro, cálcio, proteínas, carboidratos, vitaminas como a, B1, B2 e C.e A. 

Segundo a pesquisadora e nutricionista Maria Eugênio Tenório (2007), que contraria a opinião da ONU - que pressiona o Peru e a Bolívia para abolirem o uso da folha da coca na região, alegando ser o cultivo da mesma, contrário á Convenção de 1961, onde seu plantio e cultivo foram proibidos – “A planta é considerada divina, pois é sustento para a religião, saúde e sustento para muitas famílias!”

O Pd. Mamani, dirigente da federação de Chulumani – Organização dos plantadores de coca de Yungas (norte de La Paz) concorda com a opinião da especialista quanto as funções e benefícios da folha da coca. 

Como erra “guerrilha” parece longe de um consenso, resta-nos auxiliarmos as pesquisas e cooperarmos para uma elaboração de políticas de saúde dispostas a fazerem a diferença e chegarem enfim a um denominador comum. Para Tenório (2007), o uso da folha de coca diários, além de emagrecer, elimina problemas reumatológicos como gota, além dos distúrbios psicossomáticos. Registros empíricos e clínicos atestam a veracidade dos fatos.

Um estudo de 1973, realizado por investigadores da universidade de Harvard (EUA), concluiu que a folha de coca possui uma completa gama de vitaminas e minerais. Ela contém três vezes mais fibras que legumes, 14 vezes mais que as frutas e 15 vezes mais que vegetais em geral, além de grande quantidade de vitamina A. 

De acordo com esses estudos elimina gorduras, colesterol e triglicerídeos, combate diarreia e hemorroidas, previnem o câncer de cólon e do reto e é um bom suplemento para diabéticos, e outros benefícios. Aumenta o rendimento físico em trabalhos longos, pois abaixa a produção de adrenalina, e consequentemente à produção de Oxigênio. Daí seu abundante uso nas minas e sua veneração. 

O empirismo é muito perseguido nessa região (principalmente em Potosí) exatamente por falta de um impacto científico que venha a conscientizar a realidade acerca dos benefícios da planta. O mito explica o sobrenatural até que a razão comprove a veracidade dos fatos.

A Bolívia é um dos países mais miseráveis da América Latina, e boa parte do seu território encontra-se no altiplano, com variações bruscas de temperaturas que dificultam as plantações de frutas, verduras e legumes. 

A alimentação de um modo em geral é pobre em fibras, excesso de carboidratos e gorduras, gerando graves problemas intestinais na população. A incidência da flatulência é tão grande na região, que ao turista chega a ser insuportável dividir certos locais com pouca ventilação. 

Existem propostas para a industrialização da farinha de coca para ser adicionada á farinha de trigo ou outra qualquer, a fim de agir como complemento vitamínico e fitoterápicos, por parte de alguns empresários da região.

Criança Boliviana posando para foto - Plaza del armas - La Paz
Acervo Autora

Quíchuas descansando na Plazza - La Paz
Acervo Autora

CONCLUSÃO

Ao traçar algum percurso sobre o uso das ervas medicinais nos povos Incas, descobrimos ao longo de nossa pesquisa que durou cerca de 60 dias, percorrendo toda Bolívia e grande parte do Peru, que, além da folha da coca, outras herbáceas são utilizadas para fins rituais e terapêuticos.

De forma alguma esgotamos o assunto, antes, deixamos em aberto a questão pela nossa provocação para que especialistas venham  fundamentar nossas pesquisas. Destacamos o uso do Erythroxilon Coca, por ser esta a erva mais comum e mais utilizada por este povo e de maior benefício medicinal comprovado até este momento por nós.

A situação da saúde pública nos países andinos é lastimável. A ausência de ações rápidas e eficazes na promoção de qualidade de vida, problemas como falta de equipamentos, condições de tratamento nos hospitais dessas cidades são assustadoras. Sem contar a falta de saneamento básico e profilaxia a doenças comuns.

Na cidade de Cuzco, no Peru, onde nossa pesquisa teve fim, conferimos a presença de ótimos profissionais na área médica que se formam e vão para outros países como E.U.A. para ganhar a vida, por falta de incentivo local.

Alguns migram para a Europa e até mesmo Brasil, procurando reconhecimento laboral e melhores salários. Destes que saem do peru, praticamente nenhum deles retorna. Os hospitais são precários, falta desde equipamento a medicamentos para atender a população chega a ser assustadora. Não há atendimento gratuito nesses hospitais, muito menos distribuição de medicamentos. 

Existe uma exceção para as “madres grávidas” – camponesas que protegidas pela lei local por serem descendentes direto dos incas, recebem assistência na hora do parto. Entretanto, a maioria prefere contar com as parteiras para não sofrer tal constrangimento.

A maior causa de problemas de saúde no campo é ocasiona devido á falta de água potável e alimentos adequados, além da falta de saneamento básico. O alimento é mal preparado devido a pobreza, e o índice de verminose é altíssimo, além de outras contaminações. 

Doenças gastrintestinais são as que causam maiores problemas no meio indígena rural. Na cidade as baixas temperaturas e a pobreza predominante contribuem para a grande incidência de viroses nas crianças e o contágio da gripe muitas vezes é fatal devido á desnutrição. 

A propagação de doenças comuns tais como: malária, febre amarela, leishmaniose, doenças de chagas, tuberculose. Hanseníase, peste bubônica, além da AIDS e DST’s., é tão grande que assusta autoridades de países próximos. Estatísticas revelam que numa população de aproximadamente 90.000.000 pessoas, cerca de 0,4% - 60 a 100 mil são portadores do vírus HIV.

Em 2005, oito bebês foram infectados pelo vírus do HIV em hospitais públicos em Cuzco. Essa realidade nos leva a crer que esta poderia ser uma das principais justificativas para a propagação do xamanismo por tantos séculos.

Em La Paz (Bolívia) 3.000.000 de pessoas vive dentro de “uma cratera” - uma aglomeração urbana. Não observamos em nenhum local, desde os mais simples aos mais sofisticados; hábitos de higiene simples como o de lavar as mãos após o uso de sanitário (o que não se acha fácil por lá!). Acredito que o organismo daquele povo tenha alguma resistência, o que não aconteceu conosco.

Como a pobreza é intensa nesses países uma solução prática e barato é o uso da coca como suplemento alimentar e medicamento. É possível adquiri-la em qualquer lugar desde as feiras as casa de chá. Natural ou industrializada em forma de chá.

Essas estatísticas nos levam a propor uma reforma urgente na saúde pública desses países. Em comparação com o nosso sistema de Saúde Pública, percebemos que muito ainda precisa ser melhorado no tocante a assistência básica de saúde. Contudo,  levamos vantagem na qualidade e acesso sobre esses países. 

O uso de práticas alternativas na medicina do Brasil tem sido discutido há alguns anos, e nossa constituição aprova a aplicação de algumas como eficazes para a saúde dos brasileiros. Vejamos o que diz o Art. 3º da Lei 8.080/90 do SUS: 

Difere a Acupuntura, a Fitoterapia, a Homeopatia, práticas populares e terapias alternativas, como incorporadas ao SUS e de grande valor á saúde da população brasileira. A Fitoterapia é uma “terapêutica” caracterizada pelo uso de plantas medicinais em suas diferentes formas farmacêuticas, sem a utilização de substancias ativas, isoladas, e ainda que de origem vegetal [...]”.

O uso de plantas medicinais na arte de curar é uma forma de tratamento de origem muito remota, tal qual nos relatas os povos mais antigos, como exemplo, tomamos os incas. 

Relacionadas aos primórdios da medicina e fundamentada no acúmulo de informações por sucessivas gerações, esses povos ainda hoje permanecem fiéis a essas práticas comprovando sua eficácia milenar. 

Ao longo de séculos, produtos de origem vegetal constituíam as bases fundamentais para o tratamento de diferentes doenças. Desde a declaração de Alma-Ata de 1978, a OMS tem expressado sua posição a respeito da necessidade da utilização de plantas medicinais no âmbito sanitário, tendo em conta que 80% da população, utilizam essas plantas ou preparações destas para tratamento de doenças.

 Ao lado dessas informações destaca-se a participação dos países em desenvolvimento nesse processo, já que estes possuem 67% das espécies vegetais do mundo. O Brasil possui grande potencial para o desenvolvimento dessa terapêutica, como a maior diversidade vegetal do mundo, ampla sócio-diversidade, uso de plantas medicinais vinculadas ao conhecimento tradicional e tecnologia para validar cientificamente esse conhecimento.

O uso da folha de coca em nossa fitoterapia não é autorizado, porém esta só viria a acrescentar e ampliar as propostas para tratamentos de doenças. Por se tratar da matéria prima da cocaína, e o Brasil sofrer sérias conseqüências com o tráfico e consumo da mesma, a discussão fica difícil. 

Vale ainda ressaltar que muitas vezes, é a falta de informação, e de, uma política estatal forte e correta que impede que esta erva seja utilizada para fins terapêuticos e medicinais em nosso país. O Ex-Presidente Boliviano Evo Morales lutou junto à ONU para que a eficácia da folha de coca seja aceita no mundo.

Como nos é findo o espaço, procuraremos concluir este trabalho com esta proposta, para que haja uma iniciativa por parte de nossos leitores, e por que não dirigentes e pesquisadores para reverem as variedades de nossa fauna e flora, e a utilização das mesmas, para que haja saúde mais ampla e gratuita para a população. 

Saúde um direito de todos e dever do Estado. E isso não é uma realidade nossa, mas de todos os povos. Como dizem os Incas: “Dádivas dos deuses para o bem da criação!”



Chris Viana
Copyright©2005-2020




REFERENCIAS


ASSADOURIAN, Carlos Sampat: El sistema de la econimia colonial. Instituto de Estudios Peruanos.
AYALA, Felipe Guaman Poma de: El Primer Nueva Cprónica Y Buen Gobierno. Siglo Veintiuno.
BARCO, Luiz: "Matemática sem números" in Revista Super Interessante, abril de 1999.
BERNAND, Carmen & GRUZINSKI, Serge: História do Novo Mundo, EdUSP.
BETHELL, Leslie (org.): América Latina Colonial, vol. 1, EdUSP.
BURGA, Manuel: Nacimente de una Utopia: Muerte y Resurrección de los Incas. Instituto de Apoyo Agrario.
CANSECO, Maria Rostworowski de Diez: Historia del Tawantinsuyu. Instituto de Estudios Peruanos.
CASAS, Frei Bartolomé de Las: O Paraíso Destruído. L&PM.
FAVRE, Henri: A Civilização Inca. Jorge Zahar Editor.
FIDEL, Stuart: Prehistoria de América. Crítica.
GALINDO, Alberto Flores: Buscando un Inca. Editorial Horizonte.
GERAB, Katia & RESENDE, M. Angélica: A Rebelião de Tupac Amaru. Brasiliense.
LUMBRERAS, Luis: De los Pueblos, las Culturas y las Artes del Antiguo Perú.
MAQUIAVEL, Nicolau: O Príncipe. Revista dos Tribunais.
MONTOYA, Rodrigo: De la Utopia Andina al Socialismo Magico (Antropologia, História y Política en el Perú).
_________: O Tempo do Descanso. Marco Zero.
MURRA, John: Formaciones Económicas y Políticas del Mundo Andino. Instituto de Estudios Peruanos.
ROJAS, Josue Lancho & SCHREIBER, Katharina: "Los Puquios de Nasca y la Reorganización de la Cultura Nasca Durante la Fase 5 del Periodo Intermediario Temprano" in Revista del Museo Regional de Ica, Edição Extraordinária, 1997.
STERN, Steve: Los Pueblos Indígenas del Perú y el Desafío de la Conquista Española Huamanga hasta 1640. Alianza Editorial.
THEODORO, Janice: América Barroca, EdUSP.
VÁRIOS: Grande Enciclopédia Delta Larousse. Vols. 1, 6 e 9.
Huber, Sigfried : O segredo dos Incas - Ed. Itatiaia – 1958
Valla, Jean-Claude: A Civilização dos Incas – Ed. Ferní - 1978
  
NOTAS

  1.  Estado Inca Imperial (1438 - 1532 d.C).
  2.  Antropomorfismo é a forma de pensamento que atribui características e/ou aspectos humanos a Deus, deuses, elementos da natureza e constituintes da realidade em geral.
  3. Baseado na lenda andina, nas águas do Titicaca nasceu a civilização inca: O "deus Sol" instruiu seus filhos para procurarem um local ideal para seu povo. Manco Capac e Mama Ocllo chegaram, então, a uma ilha - mais tarde batizada de Isla del Sol. Essa região é considerada o berço dos incas, que dominaram a região entre os séculos XII e XVI, quando se deu a invasão espanhola. 




Comentários

Postagens mais visitadas