A MAGIA NA ANTIGUIDADE E MODERNIDADE PARTE III
A Magia, cujos ensinamentos e princípios mais profundos são mantidos até hoje em segredo, é conhecida desde a mais alta antiguidade inclui a crença e prática da licantropia.
Nessa terceira parte de nosso post, tratarei de algumas teorias ligadas à Licantropia e sua associação às praticas de feitiçaria. A partir de alguns
casos medievais, descreveremos sucintamente seus aspectos supersticiosos que levava muitos ao excesso e suas relações com a psicopatologia.
1. Lobisomens Medievais - A licantropia enquanto Bruxaria
A Idade Média foi uma época propícia às crenças dos lobisomens. Todos os casos se assemelham em suas narrativas medievais. Em destaque, temos caso
de Henry Boguet, nascido em Pierrecourt, Franche-Comté, em 1550 e falecido em 23 de fevereiro de 1619.
Boguet foi um grande juiz de Saint-Claude (1596 a 1616), nas fronteiras do condado de Borgonha, e um jurista muito reconhecido em seu tempo. Era muito famoso como demonologista.
Como autor do "Assistentes Speech execrável" (1603), fez notável trabalho na apresentação de comportamentos conotados como feitiçaria. Sobre a mesma, ele cita no prefácio de um de seus escritos de 1610:
"Este grupo merece que os institutos julguem 'exout pout luy',
pois este cortou todos os seus testes sabiamente,
e tanto que ele não renascerá”.
Enquanto juiz, Bouguet julgou nove casos de licantropia (lobisomens) em Saint-Claude. Em relação à sua sabedoria, conhecimento e justiça,
era tão elogiado que alguns o compararam a um novo Hércules. Gaspar de Bin cantou, falando de Boguet:
“O grego estava sentado anteriormente Alcide entre os deuses
para superar os monstros da Terra;
E você domar o inferno, que nos embaralha
com a guerra
Que lugar você deve esperar no céu”.
Tinha fama de inquisidor. Era referido como "queimador feroz". Seu trabalho e reconhecimento durou séculos até que Dom Paul Benoît e Louis Duparchy, no ano de 1892 restabelecerem a verdade.
Das 1.500 vítimas que lhe foram atribuídas,
ele partiu, após um julgamento contra Françoise Secrétain, cerca de quarenta bruxas morrem excruciante na fogueira, esquecendo de lhes dar o benefício do retiro .
Uma dupla lenda afirma que, como Nicolas Rémy, Boguet acabou na fogueira e que sua família comprou a maioria das cópias de seu ”Discurso nos bastidores”. Hoje Rossell Hope Robbins sugere que alguns de seus pais tinham uma simpatia secreta pela bruxaria.
Um outro caso contado por Bouquet em seus escritos, narra um episódio descrevendo os seguintes argumentos: “Certo caçador fora atacado por um logo e corta-lhe a pata. Dirigiu-se até o castelo do seu senhor e lá encontrou a castelã com o braço amarrado.
Verificaram
que ela estava sem mão. Outra versão diz que a pata cortada transformara-se em mão feminina”. De qualquer forma, a pobre mulher desta narrativa foi queimada em Rion.
Um ponto curioso nesses relatos medievais é que, atualmente, no continente africano, em especial entre aos Bakongos - povo de interesse e pesquisa nossa - os mesmo são
cridos e contados como parte de todo o contexto social. Entre eles, mesmo hoje, tudo é atribuído à bruxaria.
Na análise das narrativas, percebemos que em muito se fundam à partir de contos supersticiosos. No caso de Rion, uma outra interpretação aos fatos descritos,
seria a de que o caçador mantinha relações ilícitas com a castelã, cortou-lhe a mão e acusou-a de feitiçaria, que era modo fácil e prático de se livrar de alguém
naqueles tempos.
Em nossa pesquisa de campo junto aos Bakongos do Capolo II em Luanda, recebemos para observação e entrevista, uma menina de 12 anos na ocasião, suspeita de bruxaria.
O relato que chegou a nós foi de que S., saíra do Congo e chegara em Luanda no mesmo dia, voando em um palito de fósforo.
Após a anamnese e escuta empática, observei alguns detalhes interessantes: a descrição da relação dela com o pai era bastante estreita e soava
como abusiva; o pai quem “cuspia” um liquido branco e passava no rosto dela para “torna-la invisível” enquanto bruxa; a noite, ao lado do pai, uma “sombra pesada vinha e a possuía”,
o gemido era como “uivo de um lobo”, etc.
Desde a primeira vez percebi que S. era abusada sexualmente pelo genitor. Posteriormente descobrimos que pelos primos e aldeões. Quando passei o caso para os ministros que a
acusavam de bruxaria, fui acusada de consentir com a mesma e ameaçada. Esse é apenas um de muitos casos que nos motivou estudar a associação da bruxaria à sexualidade e à loucura.
Voltemos aos nossos lobisomens. Na época medieval, o doente mental que julgasse transformado em lobo (licantropia), seria levado à fogueira como lobisomem.
2. A Superstição Levada a Excessos
Guilles de Laval, barão de Rais (ou Retz), famoso em sua época como “Barba Azul”, Marechal de França, era um dos companheiros de Joana D’arc.
Era conhecido como um dos maiores senhores feudais da época. Barba Azul foi condenado por feitiçaria, em virtude de sua prodigiosidade excessiva e pelo desejo de compensá-la pela fabricação
de ouro.
2.1 - A Ganância ou Loucura de Barba Azul
Barão de Rais, chamou alguns alquimistas e charlatães, os quais fizeram-no matar 140 crianças
que foram identificadas, com a finalidade de satisfazer um pretenso pacto com o diabo. Ofertava ao diabo o coração, os olhos
e o sangue das vítimas.
Diante do desaparecimento progressivo das crianças nos arredores do castelo, ninguém se arriscava
a acusar um senhor tão poderoso. Contudo, certo dia, com seus capangas, o Marechal de França invadiu a Igreja de Saint Estevan,
no intuito de pegar o seu desafeto, Jean de Ferron.
Com este crime, Jean de Malestroit, Bispo de Nantes, conseguiu envolvê-lo nas malhas da Inquisição,
que o condenou à morte, após ter confessado todos os seus crimes, em 14401 como
assassino, feiticeiro, herético e sodomita.
Em muitas descrições medievais, Barba Azul se considerava um lobisomem quando atacava as
crianças. Talvez seja esta a justificativa para o primeiro grande serial Killers da história.
3. A Licantropia e Transtorno Mental
Em termos atuais e clínicos, a Licantropia se define como uma alteração mental no indivíduo que crer ser real sua metamorfose ou transformação
humana em uma espécie animal, adotando, assim, seu comportamento.
É considerada uma síndrome que se apresenta como parte de algumas entidades clínicas relacionadas à: esquizofrenia, trastorno de idéias delirantes, trastorno afetivos com sintomas psicóticos, epilepsia de lóbulo temporal, demência e consumo abusivo de algumas sustâncias.
Um estudo realizado pelo setor de psiquiatria da Universidade Nacional Autônoma de Honduras, publicado pela BVS-HD, em 2013 traz um estudo de caso que vale a pena compartilhar
em nosso espaço. Segundo a pesquisa, a síndrome de Licantropia também está relacionada ao contexto histórico, social e cultural do sujeito em questão.
Este síndrome só pode ser remissiva quando ofertado o tratamento psicoterápico e farmacológicos básicos. A condição do sujeito portador
desta síndrome tem uma duração variável, que pode variar de um dia a 13 anos nesta condição.
3.1 - Relato de Caso de Licantropia em Honduras - 2013
Mulher, 31 anos, analfabeta, viúva, sem pensão, com recursos oriundos da agricultura, erradicada na parte norte do país. Os sintomas apresentaram em 2005, a partir
de uma crise distímica, mostrando hipoatividade, isolamento, retirada, mutismo, negatividade latente e olhar para o vazio. Esse episódio durou cerca de 4 anos sem qualquer procura ou intervenção
médica.
A partir disto, iniciou-se um período com alucinações, alegando dizendo que 7 feiticeiros a ameaçaram com transformá-la em uma "cadela".
Após alguns dias ele adotou um comportamentos desse semelhante a este animal: lambeu, arranhou, latiu, andou e se alimentou como um cachorro. Semanas depois, ela disse que eles
a tinham transformado em uma vaca e assim por diante: "Transformado" em égua, peru, porco, cabra, frango, comportando-se e alimentando-se como estes animais.
Este foi o seu comportamento nos últimos 3 anos. Contudo, os parentes não procuraram mais ajuda médica Eles acreditavam que era bruxaria. Na admissão hospitalar:
os exames físico e neurológicos tiveram resultados normais, porém. o exame mental revelou hostilidade evidenciada, mutismo e negativismo.
O exames laboratoriais tiveram resultados normais (hemograma, glicose, renal, fígado, testes de função tireoidiana, perfil lipídico). TC e EEG cerebrais
simples entre limites normais. O diagnóstico final foi Esquizofrenia Indiferenciado (F.20.3) e Licantropia.
Na sua estadia alguns sintomas eram evidentes na sala o comportamento Licantrópico. A Clozapina não trouxe melhoras ao londo do tratamento.
4. Discussão
Desde 1975, 35 casos de Licantropia foram publicados em todo o mundo. O delírio mais relatado é a metamorfose em cães e o máximo de transformações
por paciente ocorreu em 3 espécies animais. O caso que relatei acima, foi considerado o segundo relatado em Honduras, e o primeiro a apresentar mais número de transformações, no total sete.
Em 1983, foi identificado o primeiro caso de Licantropia em Honduras, que foi associada ao transtorno bipolar. O paciente em questão, respondeu satisfatoriamente ao tratamento
com lítio. No nosso caso, consideramos que o pouca melhora no quadro clínico, se deve a a cronicidade da condição que não foi tratado em tempo hábil devido a ignorância por parte
dos pais da paciente sobre a existência e tratamento de doenças mentais, dadas por contexto sociocultural (pensamento mágico-religioso).
5. Conclusão Parte III
O conhecimento mágico-religioso marca esta primeira fase do conhecimento da magia. Esta fase supersticiosa se estende até o século XVIII, quando a magia não
passava de feitiçaria, tal como geralmente ainda é conhecida, ou seja, de superstição grosseira e de práticas brutais capazes de impactar e destruir toda uma geração.
O homem primitivo, diante dos fenômenos que não sabia explicar, procurava dar-lhes interpretação mística, atribuindo-os aos deuses, gênios e
demônios ou a almas de chefes ou antepassados. Daí uma das definições de magia feita por Maurice Bouissom, em “A Magia”, em 1968: ” É a possibilidade de agir, através de ritos, cuja revelação era atribuída aos deuses, sobre seres invisíveis que povoam a terra, as águas, os abismos e os céus”.
Sobre essas práticas exotéricas e de mistérios, dissertarei no próximo post.
Continuem comigo!
Chris Viana
Copyright©2005-2020
1 - Esse relato encontra-se em “Les Sociers”, publicado pela Librairie Alphonse Lemerre, por Octave Béliard,
em Paris - 1920.
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