Trilhas de um Filosofar Um Breve Percurso Possível a Todos os que Buscam o Saber
A Filosofia sempre atraiu as pessoas quanto as questões do existir. Atrai como uma medusa, mas em suas muitas facetas, assusta, instiga, congela, problematiza, angustia, liberta e fascina.
O saber filosófico se expande e se contrai. Numa espécie de miasma, se revela e se oculta. Seu lugar não tem limites, mas oportuna saberes afins aos que mergulham em suas águas densas e profundas.
A História da Filosofia remonta aos gregos sua origem. Sabe-se porém que me sociedades mais remotas a busca pelas questões da vida já se faziam presentes entre os observadores do existir.
Tido como o primeiro filósofo a história, Tales de Mileto procurava compreender a origem e natureza de todas as coisas. Mas, assim como os demais pensadores da antiguidade remota, suas narrativas hipotéticas tendiam ao mar das lendas e oralidade sacerdotal das religiões primitivas.
Era na imensidão do transcender espiritual que se inspiravam. Se os gregos politeístas em suas mitologias, os poucos grupos de confissões monoteístas ou monolátricas, encontravam em suas tradições e tabus, sua mística e sentido do existir através do sagrado.
Mas foram os pós-socráticos que racionalizaram o lugar do ser para além da "vontade dos deuses (deus)". Platão e Aristóteles, foram pensadores desse período que buscavam compreender os aspectos naturais do mundo, chamados de physis.
Eles buscavam identificar e entender quais são os elementos primeiros, que deram origem a todas as outras coisas existentes no mundo. As preocupações dos filósofos eleatas¹ por exemplo, eram mais abstratas e podemos ver nelas o primeiro sopro de uma lógica e de uma metafísica.
A Metafísica é oriunda da matriz aristotélica, ateia e, que, mais tarde será retomada por Tomás de Aquino, que, a partir de uma via racional que levaria a compreender que todas as coisas vem e voltam a Deus e irá problematizar ainda mais a questão do ser.
Essa perspectiva generalista das características dos entes², será problematizada na modernidade pelos filósofos os racionalistas³ que inauguraram subdivisões na disciplina conforme os seus novos interesses e problemas.
Desse modo, no âmbito da chamada metafísica especial teríamos as seguintes subdivisões: a teologia racional: que trata do Ser divino e de suas relações com os demais seres; a cosmologia racional: que trata dos princípios fundamentais da constituição do cosmos (a natureza da matéria, do vácuo, etc.); e a psicologia racional: que trata da substância espiritual e de suas relações com a matéria.
Foi Kant quem estabeleceu uma separação entres as formas de tratar as questões metafísicas. Ele catalogou de um lado, o que chamaríamos de "metafísica transcendente" e irrealizável na sua disposição de revelar a natureza de coisas que estão além de toda a experiência possível; de outro, a sua proposta, a "metafísica crítica".
Além de tentar compreender os principais problemas provenientes do pensamento metafísico de Platão e Aristóteles, a metafísica⁴ moderna procura ainda como classificar seus antecedentes. As discussões em metafísica são múltiplas e variadas, sendo especialmente difícil identificar algo comum a todos os problemas em debate.
A indagação "o que é o ser?" continua causando perplexidade e encontra-se na absoluta falta de direções óbvias que orientem uma resposta. Uma das alternativas propostas seria certo investimento nas constituições materiais e fundamentais das leis da Natureza.
As investigações propostas desde Aristoteles são conhecidas como Categorias. Vamos citar algumas das categorias filosóficas.
2. Quantidade (ποσὀν) - trata-se da medida (quantidade contínua) ou da contagem (quantidade discreta) de uma substância. Como exemplo de quantidades contínuas, temos, por exemplo, as medidas de comprimento, massa, volume, tempo etc.
3. Qualidade (ποιὀν) - algo que pode ser dito acerca da substância. Como qualidades temos as virtudes (p.ex. justiça, domínio próprio), as formas (p.ex. triangular, redonda), as coisas que nos tornam capazes ou incapazes de fazer algo (p.ex. força muscular, cegueira) e quaisquer características que somos capazes de perceber (p.ex. doçura, clareza). O conhecimento de algo em particular é classificado como uma qualidade.
4 . Relação ou relativo (πρὀς τι) - algo que depende de um complemento ou da relação com outra coisa. Como exemplo, temos respectivamente: "conhecimento" (conhecimento de que?), "hábito" (de quê?); "metade" e "dobro", "maior", "mestre" e "escravo". Termos relativos incluem gradação, tais como "mais" ou "menos". Uma pessoa pode ter mais conhecimento do que outra.
6. Tempo ou data (πὀτε) - indica um ponto no tempo em relação ao curso de eventos extrínsecos. Por exemplo: ontem, ano passado. A medida da duração de uma ação ou substância é classificada como quantidade.
7. Situação ou posição (κεῖσθαι) - é a disposição ou posição das partes de uma substância em relação a um lugar. Se a substância representada for uma esfera ou um ponto, por exemplo, sua posição será uma só e se identificará com o lugar.
9. Ação (ποιεῖν) - Aristóteles não descreve em detalhes, mas, pelos seus exemplos, é o que pode ser expresso por verbos de ação ou de processos: sorrir, cortar, aquecer.
10. Paixão (πάσχειν) - recepção ou efeito sofrido por uma substância a partir de uma ação realizada por algum agente: ser ferido, ficar aquecido. Algo que foi um efeito mas que tem caráter permanente ou que passe a identificar uma substância passa a ser identificado como qualidade. Alguns denominam de paixão.
[...] Na tradição filosófica, é comum chamar as coisas individuais ao nosso redor de particulares. Essa árvore ou aquele cachorro ou uma folha de grama são todos chamados de particulares, mas as formas ou essências dessas coisas, por exemplo, o que é uma árvore, ou o que é um cachorro ou o que é grama, têm uma qualidade interessante para elas. Cada um é uma forma ou essência, mas cada um é aplicável a mais de um particular. O que é uma árvore, ou sua forma, é aplicável a essa ou aquela árvore no quintal da frente ou a essa ou aquela árvore no quintal. O que é um cachorro, ou a essência de um cachorro, é aplicável a um cachorro, um segundo cachorro e um terceiro cachorro. Como as formas ou essências são aplicáveis a muitos, são chamadas de universais. Universal é um termo aplicável a mais de uma coisa em particular, e uma das grandes questões da filosofia é se existem universais e como. (Fonte: The Thomistic Institute).
Foi no pensar as questões existenciais que Heidegger percebeu que as categorias e as questões dos universais não respondiam as questões ontológicas⁵ da cotidianidade. Deste modo, sua filosofia é baseada na "superação da metafísica", que, segundo o filósofo compreende uma história do "esquecimento do ser".
Heidegger afirmava que o "ser" na metafísica é sempre tratado como ente. O ser é sempre objetificado e neste processo imediatamente identificado com qualquer outro ente da natureza. Esta é premissa principal de Heidegger em sua crítica ao esquecimento do ser pela metafísica: não entificar o ser.
Nessa premissa, Martin Heidegger alega que somente é possível não confundir o ser com algum ente, quando ele é pensado a partir da compreensão do ser.
Então o espaço do acesso aos entes é aberto a partir do horizonte do ser. É para isso que o homem é Da-sein⁵, sendo essa expressão (Aí-ser / Dasein) uma espécie de neologismo para definir, primeiramente, a transcendentalidade e, depois, o acontecer da história do ser.
Finalmente, as novas categorias que desenharão a filosofia heideggeriana não serão as de via transcendentais, como outrora se firmava a metafísica. Mas, imanentes, firmadas a partir do estabelecer-se como ser-no-mundo, onde o medo nos convida a viver na impropriedade.
Viver para o ai-Ser do mundo, significa não categorizar (atribuímos sentido justificativo para as coisas), e sim permitir que a faticidade⁶ (os outros, as coisas e as circunstâncias) atribua ao existir o estar-no-mundo.
No dia-a-dia nos alienamos de nós mesmos, vivemos sempre correndo, com nossas agendas cheias de distrações que nos ocupam. Isso seria uma vida inautêntica, segundo o filósofo. Razão essa originárias os muitos medos e angústia.
Vivemos num sentido impróprio que não aponta em direção alguma, como uma finalidade sem fim. Por isso a questão, qual o sentido da vida agora repercute no sabe-viver-a-cotidianidade do ser-no-mundo para o Dasein com autenticidade.
Para que ocorra o desvelamento do ser, que finalmente permitiria a autenticidade, Heidegger propõe superação da metafísica enquanto instância objetificadora do ser, já que o ser é, agora, projeto, movimento, possibilidade, e não ente acabado, como os demais entes da natureza.
Segundo Ernildo Stein, um dos maiores estudiosos e Heidegger, a autenticidade do ser surge através de um processo dinâmico de interação entre ser, mundo e tempo, um círculo positivo que resulta no Dasein, mas não apenas como um produto, e sim como um elemento integrante do próprio processo em si.
Veja o gráfico descritivo:
Em Heidegger a questão do ser é substituída pela compreensão do ser.
Exatamente nesse estar-no-mundo que se dá a conexão entre ser e ser-aí (Dasein), isto é, acontece o modo de compreender o ser.
Para Stein (2001):
(…) o ser faz parte do modo de ser do ser humano”, o que faz surgir o conceito de Ser (Dasein).O Dasein em Heidegger representa o aí do ser, portanto, o ser-aí.
Simplificando: Heidegger não estabelece um juízo de valor de que seria melhor viver na autenticidade do que na impropriedade. Ambas são possibilidades de ser.
Ou seja, momento do existir, posso passar de uma a outra e vice-versa. Posso eleger um dos sentidos já prontos ou construir o meu próprio-sentido. A vida em si-mesma não tem sentido, deste modo, somos nós que atribuímos um sentido para ela nas vias históricas do percurso existencial. Entre o nascer e o morrer. Depois disso?
Sinceramente? Não sei. Mas, se somos seres para a morte e esta é a verdade do ser, precisamos apenas saber viver como ser-em-nós, ser-nos-outros e ser-no-mundo. Dito isso, resta-me apenas indagar? Então? Qual o sentido da (sua) vida?
Seguimos.
©Christianne Sturzeneker
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Glossário:
¹ - Escola eleática é uma escola filosófica pré-socrática. Recebeu esse nome em função da cidade Eleia (da antiga Magna Grécia), situada no sul da Itália e local de seu florescimento e beleza. Nessa escola encontramos quatro grandes filósofos: Xenófanes, Parmênides, Zenão e Melisso. Nesse grupo famoso de pensadores, as questões filosóficas concentram-se na comparação entre o valor do conhecimento sensível e o do conhecimento racional. De suas reflexões, resultou que o único conhecimento válido é aquele fornecido pela razão.
² - Ente (Conceito de). (do part. presente do verbo esse, ser, ens, entis, sendo). - O conceito de ente (sistência prefixável) é fruto de uma total abstração. É um conceito universal e, para os escolásticos, o mais universal dos conceitos. Tomás de Aquino define: "Ente é o que tem essência real". Sua essência é o ser (a sistência aqui). Se afirmamos que ente (opinião dos escolásticos) é o que é apto a existir realmente, nesse caso é o que tem res (em latim, coisa). Seria, então, o que tem existência efetiva (perseitas). Ele pode ser atual ou possível. E tal se dá quando a sua aptidão a existir é presente, dá-se no exercício da existência (atual) ou vem a suceder (possível). Para mais veja: SANTOS, M. F. dos. Dicionário de Filosofia e Ciências Culturais. 3. ed. São Paulo: Matese, 1965.
³ - Racionalistas - Racionalismo é uma vertente da teoria do conhecimento moderna que defende a natureza inata das ideias e que todo o conhecimento verdadeiro advém da racionalidade.
⁴ - Metafísica - Metafísica é a área que estuda e tenta explicar as principais questões do pensamento filosófico, como a existência do ser, a causa e o sentido da realidade, e os aspectos ligados a natureza.
⁵ - Dasein - Heidegger designará o homem por Dasein, aquele que dá sentido às coisas, o ente dos entes. O Dasein é o único no mundo que pode questionar sua existência, ele é o ente que compreende o ser, ou seja, compreende o ser em sua existência e que também ele (Dasein) entende que existir é uma de suas possibilidades.
⁶ - Faticidade - Facticidade é a característica de ser um facto. É o nome que filósofos, como Heidegger e Sartre, dão àquele aspecto da existência humana que é definido pelas situações em que nos encontramos, o “facto” que somos forçados a confrontar.
Referências e Citações:
- A Escola Eleata. Oficina de Filosofia. 29 de junho de 2015.
- SANTOS, M. F. dos. Dicionário de Filosofia e Ciências Culturais. 3. ed. São Paulo: Matese, 1965.
- Aristóteles. Metafísica. Porto Alegre: Globo, 1969.
- ___________. Introdução ao pensamento de Martin Heidegger. Porto Alegre: EDIPURS, 2002.
- Reale, Giovanni & Antiseri, Dario. História da Filosofia. São Paulo: Paulus, 1990. V. 1.
- STEIN, Ernildo. A caminho de uma fundamentação pós-metafísica. Porto Alegre: EDIPUCRS, 1997.
___________. Pensar é pensar a diferença. Filosofia e conhecimento empírico. Coleção Filosofia. 2002.
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