À procura de Crianças bruxas – Parte IV Caso Sara

Crianças bruxas podem ser encontradas para além da ficção na África moderna. No Capolo em Luanda, entre as crianças de etnia bakongo, é possível conferir essas e outras histórias que perpetuam gerações. Caso Sara.



Estávamos em Julho de 2013. Um mês antes de desembarcarmos no solo africano, nosso casal de pastores haviam recebido a denúncia que haviam crianças bruxa  na casa de um dos adeptos da igreja.

Uma das adeptas da seita, ligou através de um telefone móvel (emprestado no hospital), para a pastora Zandra e comunicou que a sobrinha Sara estava internada há quatro dias por conta de uma grave crise de epilepsia. A internação ocorreu em 10 de junho daquele ano.

Durante a ligação, a pastora Zandra ministrou: “Você não tem poder sobre este corpo. Larga-o agora!” - referindo-se à possível entidade que controlava o corpo de Sara.

Eu me encontrei com Sara lá no Capolo II, um dia antes dela retornar a casa do pai no Uíge. Sabendo que estávamos na região, a tia, mesmo que receosa levou-a ao nosso encontro para que a entrevistássemos. Na época Sara era uma menina entrando na adolescência, com 13 anos, magra, tímida, mal vestida, falava Lingala, seu português era muito limitado.

Criança bakongo afastada família por denuncia de bruxaria
Acervo próprio
 Ela nos contou que acompanhada de seus pais, fugiu do Congo em 2011 em decorrência da guerra. Foram para Makela, em Uganda e depois para Kikongo – Luanda. Lá, precisou ser afastada da família e passou a residir com tia Isa.

Segundo relato desta tia, desde que Sara passou a residir com eles, ela adoeceu e levou a parentela ao adoecimento. Contou que as coisas e objetos passaram a ser destruídos sem razão, o marido passou a consumir mais álcool, os objetos passaram a se movimentar em casa.

Como a moradia era bem insalubre e pequena, todos dormiam em um cômodo. Eram sete pessoas. Sara nos contou que um primo a molestava enquanto dormia e quando bem menor, brincava de “papai-e-mamãe com os irmãos”.

Insalubridade de algumas das moradias no Capolo
Foto da autora
Quando pedimos que ela falasse mais sobre o suposto abuso, ela se esquivou, e disse que não poderia falar mais que isso. Disse que tinha medo da “sombra”. A “sombra” a perseguia desde muito pequena, chamava por ela pelo nome, olhava-a e vigiava-a. Dizia que lhe levaria para o “fogo”.
 Sara nos contou que a sombra aparecia sempre que ela adoecia. Antes disto ocorrer, ela sonhava com cemitérios, com a terra se abrindo, pessoas saindo, querendo pegá-la e descerem-na pelas covas, e ela fugia. Nesses episódios de terrores, Sara aprendera a voar.

Contou que voava em um palito de fósforos. Sempre que a sombra vinha ela fugia. Perguntamos como era sua relação com os pais. Ela não quis falar sobre a mãe e os irmãos. Relutou e disse: minha mãe não me quer porque onde eu estou só tem destruição. Ela fala que sou uma bruxa!

Quando perguntamos sobre o pai, ela disse que ele a “protegia” colocando “saliva em sua boca”. Perguntamos como ele fazia isso. Sara contou que o pai tinha uma “vara que saia saliva, e toda vez que ela adoecia, punha saliva em sua boca para ela melhorar’.

Naquele momento eu desejei ser psicóloga! Ainda não estava em formação. Mas meus conhecimentos da psicanálise freudiana, eram suficientes para entender as metáforas. Aquela menina queria dizer algo!

Taxada como bruxa e agregada a uma maldição que ela nem sabia explicar, fora retirada do seu lar e estigmatizada pela parentela como um infortúnio. Ela pedia socorro em seus olhos. Mas o que poderíamos fazer naquele momento? Procurar as autoridades?

Em um continente onde este estigma persegue em muitas crianças, que injustamente respondem por um crime que nem elas mesmo dão conta. Nema Igreja sabia lidar com aquilo. Eu não via nada de bruxaria ali. Minhas suspeitas estavam em torno de abuso!!! Mas como provar? Precisava liberar a Sara para retornar à casa de sua tia.

Eu voltaria, e lutaria por ela! Mas o que não sabíamos, era que no sábado, dia 21 de julho, seu pai viria buscá-la, e nunca mais a veríamos. Não a encontramos nem no Uíge!

Sara, como muitas outras crianças, me abriram os olhos para além do sobrenatural. E se essa demonização toda, não fosse apenas uma metáfora para uma rede de tráfico de crianças abusadas sexualmente?


Aí começa nossa jornada!

Mas antes, vamos ouvir algumas testemunhas sobre o poder da bruxaria e o porque dessas crianças servirem aos verdadeiros bruxos!!!

Fiquem comigo!

Com vocês, sempre!

Chris Viana
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