O Jogo do Algoz: Observar, Flertar, Atravessar - Parte 2

 Lua de Fel: Entre Flerte, Transformação e Risco

Na Parte 1, exploramos Perdas e Danos, analisando como Stephen e Anna atravessam limites do desejo, confrontam a Lei simbólica e evidenciam o colapso subjetivo da estrutura obsessiva diante do proibido. 

Observamos o papel do ato transgressivo e do flerte com o interdito, destacando como a passagem para a perversão implica risco e consequências tanto para o sujeito quanto para o outro.

Na Parte 2, nos voltamos para Lua de Fel, que oferece uma perspectiva diferente: aqui, a perversão está já instaurada em alguns personagens, enquanto outros flertam com o proibido ou transitam entre papéis complexos de desejo e poder.


Os protagonistas

  • Oscar: perverso consolidado, organiza o desejo e manipula os outros, mostrando como a perversão pode se tornar estrutura de vida.

  • Mimi: inicialmente histérica, transita para o masoquismo e, posteriormente, para uma postura assática, ilustrando a transformação possível quando se atravessa o limite do interdito.

  • Nigel: obsessivo e voyeur, representa o sujeito que flerta com a perversão, observa e testa limites, mas recua diante da Lei interna ou social.


Oscar e Mimi em momento sádico/erótico – Lua de Fel (1992).
 Imagem: reprodução para fins educativos


Entre flerte e travessia

A narrativa evidencia que a passagem para a perversão não é uniforme: alguns sujeitos consolidam-na (Oscar), outros flertam com ela (Nigel) e outros ainda transitam em papéis mutáveis (Mimi). 

A trajetória de Mimi demonstra que o flerte com o proibido pode evoluir para atuação mais estruturada, abrindo espaço para o jogo do desejo e da Lei.

Freud nos lembra que a perversão envolve reorganização das pulsões em torno de um objeto e um fim¹; Lacan ressalta que o gozo pervertido se estrutura na relação com o Outro e com a Lei²; Binswanger evidencia que assumir o risco existencial é condição de liberdade³.


Nigel observando, flertando com o proibido – Lua de Fel (1992).
Imagem: reprodução para fins educativos]


Observação e o Jogo do Algoz

O voyeurismo de Nigel e a transformação de Mimi exemplificam o jogo do algoz: observar, flertar, atravessar

O espectador, assim como os personagens, se coloca diante do dilema ético e subjetivo, refletindo sobre os próprios limites e desejos.

 Mimi diante da decisão entre observar ou se entregar ao risco – Lua de Fel (1992).
Imagem: reprodução para fins educativos

Em Lua de Fel, vimos como o flerte com o proibido pode assumir diferentes formas: desde a perversão já consolidada em Oscar, até o voyeurismo hesitante de Nigel e a transformação de Mimi, que transita entre papéis de masoquista e assática. 

Observamos o jogo do algoz em ação — observar, flertar, atravessar — e como ele se manifesta tanto nos personagens quanto no espectador, convidando-nos a refletir sobre limites, desejo e Lei.

No próximo post, na Parte 3, mergulharemos em De Olhos Bem Fechados, acompanhando Bill e Alice no flerte com o proibido, na fantasia e nos limites do cotidiano. 

Também apresentaremos uma tabela comparativa das três obras, destacando estruturas, passagens e consequências clínicas, para que você possa conectar todas as leituras e aprofundar sua reflexão sobre perversão, desejo e transgressão.



Notas de rodapé 

  1. FREUD, S. Três Ensaios sobre a Teoria da Sexualidade. São Paulo: Companhia das Letras, 2008. Freud discute a perversão como reorganização das pulsões em torno de objetos e fins específicos, fornecendo base para análise clínica do desejo transgressor.

  2. LACAN, J. O Seminário, Livro 7: A Ética da Psicanálise. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1998. Lacan enfatiza a relação do gozo pervertido com o Outro e com a Lei, mostrando como a perversão se estrutura no simbólico.

  3. BINSWANGER, L. O Caso Ellen West. São Paulo: Martins Fontes, 1992. A dimensão existencial do risco evidencia que atravessar o proibido implica liberdade e responsabilidade diante do próprio desejo.


©ChristianneSturzeneker.



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