O Jogo do Algoz: Observar, Flertar, Atravessar - Parte 1

😄 Olá Leitor (a),

Seja bem-vindo(a) a esta série especial, na qual vamos explorar uma possibilidade de leitura atraente, provocativa e reflexiva sobre o desejo, a Lei e os limites do proibido. 

Aqui, caminharemos juntos pelo VIEI Cinematográfico — aquele espaço onde cinema e clínica se encontram — para refletir sobre como diferentes personagens lidam com o risco da transgressão, o flerte com o interdito e a passagem para a perversão.

Não se trata de oferecer respostas definitivas, mas de abrir possibilidades de interpretação, provocar perguntas e convidá-lo(a) a pensar nas estruturas subjetivas que emergem em situações-limite. 

Ao longo da série, você encontrará uma leitura narrativa e clínica, pensada para ser acessível, mas também profunda, dialogando com conceitos de Freud, Lacan e Binswanger.
Hoje, começamos com a Parte 1: Perdas e Danos.

Parte 1 — Perdas e Danos: O Incesto como Ruptura da Lei

"Perdas e Danos" apresenta Stephen Fleming, político respeitado, cuja vida cuidadosamente organizada entra em colapso quando inicia uma relação incestuosa com Anna, noiva de seu filho. 

A narrativa expõe a tensão entre o desejo que ultrapassa limites e a Lei simbólica que sustenta o tecido social e familiar.

Desejo Proibido em Perdas e Danos (1992).
Imagem: reprodução para fins educativos.


Stephen encarna uma estrutura obsessiva, tentando controlar a própria vida e os riscos do desejo; sua autoimagem é confrontada pela força do proibido. 

Anna, por outro lado, oscila entre histeria e desejo trágico, mobilizando o desejo de Stephen e, ao mesmo tempo, funcionando como catalisadora da ruína.

A Lei, representada pelo filho e pelo pacto social/familiar, aparece como força estruturante e, ao mesmo tempo, como limite intransponível. 

A travessia do interdito — o ato incestuoso — não apenas destrói a ordem externa, mas provoca colapso subjetivo, evidenciando como o sujeito obsessivo, ao atravessar o limite, enfrenta consequências catastróficas para si e para os outros.

Perdas e Danos (1992). Imagem: reprodução para fins educativos.
Stephen e Anna Jogam com Martin


Freud, em Totem e Tabu, enfatiza a função da interdição incestuosa como fundamento da Lei e da cultura¹. 

Lacan lembra que o Nome-do-Pai funciona como matriz simbólica da lei, e sua transgressão revela a fragilidade da estrutura obsessiva frente ao real do desejo². 

Já Binswanger acrescenta a dimensão existencial do risco, sugerindo que o atravessamento implica abrir-se para a própria liberdade e responsabilidade³.

O filme também permite refletir sobre os observadores indiretos da transgressão: a esposa de Stephen, que permanece à margem, e o público, confrontado com o dilema moral e clínico. 

Essa dimensão evidencia como a passagem para a perversão não é um fenômeno isolado, mas envolve uma rede de interações e efeitos subjetivos, éticos e sociais.


Stephen e Anna em encontro proibido
Perdas e Danos (1992). Imagem: reprodução para fins educativos.

Ao longo desta primeira parte, vimos como Perdas e Danos nos coloca diante do desejo que desafia a Lei, expondo o risco da transgressão e as consequências subjetivas para Stephen, Anna e aqueles ao redor.
 
Observamos o papel do ato transgressivo, da obsessão e do flerte com o proibido, entendendo que atravessar o limite não é apenas moral, mas profundamente clínico.

No próximo post, na Parte 2, vamos seguir nossa exploração pelo cinema e pela clínica com Lua de Fel, onde o flerte com a perversão se intensifica, surgem transformações nos personagens e o jogo do algoz — observar, flertar, atravessar — ganha força. 

Prepare-se para acompanhar como os sujeitos lidam com limites, papéis e riscos, e como essas experiências podem nos ajudar a pensar sobre desejo, Lei e estruturas subjetivas.


Referências e Notas Textuais:

¹FREUD, S. Totem e Tabu. São Paulo: Companhia das Letras, 2010 (edição revista). Freud discute a interdição incestuosa como fundamento da Lei e da cultura, estabelecendo a base para compreender o papel do proibido nas estruturas subjetivas.

²LACAN, J. O Seminário, Livro 7: A Ética da Psicanálise. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1998. Lacan apresenta o conceito do Nome-do-Pai como matriz simbólica da Lei, cuja transgressão revela a tensão entre desejo e estrutura obsessiva.

³BINSWANGER, L. O Caso Ellen West. São Paulo: Martins Fontes, 1992. Binswanger enfatiza a dimensão existencial do risco, mostrando que a passagem pelo interdito envolve liberdade, responsabilidade e abertura para o próprio desejo.


©ChristianneSturzeneker



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