O Jogo do Algoz: Observar, Flertar, Atravessar - Parte 3

 De Olhos Bem Fechados: Flerte, Fantasia e Limites do Cotidiano

Bill e Alice em diálogo sobre desejos e fantasias –
De Olhos Bem Fechados (1999). Imagem: reprodução para fins educativos

Na Parte 1, exploramos Perdas e Danos, analisando a transgressão do desejo e o colapso da Lei simbólica diante da passagem para o proibido. 

Na Parte 2, acompanhamos Lua de Fel, onde a perversão já instalada em alguns personagens contrasta com o flerte hesitante de outros, revelando o jogo do algoz — observar, flertar, atravessar.

Agora, na Parte 3, nos voltamos para De Olhos Bem Fechados (1999), dirigido por Stanley Kubrick, para observar o flertes com o proibido, a fantasia erótica e os limites do desejo no cotidiano.

Os protagonistas

  • Bill Harford (Tom Cruise): estrutura obsessiva, flerta com a perversão através da fantasia e da investigação, enfrentando o risco do desejo sem se entregar totalmente.

  • Alice Harford (Nicole Kidman): histérica no sentido psicanalítico, provoca e questiona o marido sobre limites, desejo e fidelidade, testando a capacidade de atravessamento de Bill.

  • Alice/“fantasma” do proibido (diversos encontros secretos): representa a atração pelo interdito, estimulando o jogo do algoz e a reflexão sobre desejo e Lei.

Entre flerte, fantasia e risco

Casal Bill e Alice observando a situação, confrontando o limite do proibido
De Olhos Bem Fechados (1999). Imagem: reprodução para fins educativos


O filme demonstra que flerte com o proibido não significa necessariamente passagem para a perversão, mas é um espaço de teste, onde o sujeito observa, se expõe ao risco e confronta os próprios limites. 

Bill não se entrega plenamente, mas atravessa territórios eróticos e morais que provocam reflexão sobre desejo, culpa e Lei.

Alice, ao instigar e verbalizar seu desejo, evidencia a função da histérica: provocar, flertar com o interdito e testar o parceiro, revelando lacunas na estrutura obsessiva de Bill. 

A narrativa do filme mostra a tensão entre fantasia e realidade, entre atravessar e recuar, que é central para a clínica da perversão.

Freud indica que o desejo encontra limites na Lei simbólica¹; Lacan destaca que o gozo pervertido e o flerte com o proibido se estruturam na relação com o Outro²; Binswanger evidencia que a liberdade de atravessar limites implica assumir risco e responsabilidade³.


📌Tabela Comparativa das Três Obras

FilmeEstrutura do protagonistaFlerte / Passagem para perversão   Consequências clínicas / subjetivasObservação do espectador
Perdas e Danos
Obsessivo (Stephen)
Passagem 
efetiva para transgressão incestuosa

Colapso da Lei       simbólica, conflito     moral e destruição      subjetiva
Observa o conflito moral e ético
Lua de Fel

Mistos:
perverso (Oscar), histérica (Mimi), obsessivo (Nigel)


  Oscar já             perverso,
   Mimi em           transição,
   Nigel flerta
 Transformação de Mimi, voyeurismo, tensão entre desejo e LeiExperiência do jogo do algoz: observar, flertar, atravessar
De Olhos Bem Fechados
Obsessivo (Bill), histérica (Alice)

    Flerte,
    fantasia,
    teste
    de limites
Reflexão
sobre desejo,
culpa e Lei, s
em entrega plena
Participa do flerte com o proibido, reflexão sobre limites


Conclusão Provocativa da Série; O Jogo do Algoz

Atravessar o proibido, flertar com a perversão ou se estabelecer nela é um campo clínico de observação das estruturas subjetivas

Cada personagem nos oferece uma leitura: consolidação da perversão, flerte e recuo, ou transição entre papéis, revelando tensões entre desejo, Lei e risco existencial.

Perguntas para o leitor:

  • Você já se perguntou até que ponto o flerte com o proibido pode transformar nossa relação com o desejo e com a Lei?

  • Entre observar, flertar e atravessar, qual desses movimentos você reconhece mais em si ou nas relações ao seu redor?

  • O que a arte cinematográfica nos ensina sobre os limites do desejo e as consequências de atravessá-los na vida real?

👀O jogo do algoz — observar, flertar, atravessar — permanece aberto ao espectador, convidando-o a refletir sobre seus próprios limites e desejos, sem respostas definitivas, apenas possibilidades de interpretação.


Notas de Rodapé

  1. FREUD, S. Totem e Tabu. São Paulo: Companhia das Letras, 2010. A interdição incestuosa fundamenta a Lei simbólica, fornecendo contexto para analisar o flerte com o proibido.

  2. LACAN, J. O Seminário, Livro 7: A Ética da Psicanálise. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1998. Destaca a relação entre gozo, Lei e desejo no estabelecimento de estruturas subjetivas.

  3. BINSWANGER, L. O Caso Ellen West. São Paulo: Martins Fontes, 1992. Evidencia a liberdade existencial ao atravessar limites e assumir o risco diante do desejo.


©ChristianneSturzeneker

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