O animismo Quéchua e suas tradições remanescentes do Império Inca na América do Sul - Parte I

Os Quéchuas foram os principais agentes do império Inca na América do Sul. A capital do império era Cusco, no Peru, mas irradiava-se por toda cordilheira dos Andes, em contato com outras culturas autóctones que sustentam as suas tradições ainda hoje.

Descendentes Quechuas en La plaza del Capuchinhos - Cuzco

Atualmente, mais de 10 milhões de pessoas falam o idioma Quéchua na região, sendo idioma oficial no Peru e na Bolívia. Estão concentrados em três países: Peru, Bolívia e Equador, mas, tem presença no norte da Argentina e em algumas regiões do Chile.

De acordo com OLIVEIRA (2017): 

"O culto à natureza, a seus elementos e fenômenos está de tal modo encrustado na cultura andina que sobrevive até hoje, na forma de um “panteísmo”.

A religião Quéchua incorporou parcialmente crenças e argumentos de culturas vizinhas, sistematizando-se por volta do século XV, em torno das tribos que formavam o Tawantinsuyu, uma coalização que representava os quatro pontos cardiais, ponto alto do império Inca, antes da chegada dos espanhóis.

O panteão oficial dos Incas predominou em toda extensão do império, se bem que não na mesma intensidade que nos entornos da capital, Cusco-Peru (ALMEIDA, 2005, p. 267s.).

A presença indígena em alguns desses países ultrapassa 67% da população, como o caso da Bolívia.

O início - Estátua de pedra de Tiahuanaco, 700 d.C.   

Foi nesse contexto que surgiram os primeiros indícios de civilização na América do Sul. Ao que parece, pequenas tribos começaram a avançar tecnologicamente, desenvolvendo a agricultura e criando cidades prósperas e relativamente grandes no final do terceiro milênio antes da era Cristã.

Tiahuanaco - Puerta del Sol

Com o recuo das geleiras e conseqüente desertificação do litoral ocidental da América do Sul, algumas tribos nômades começaram a circular por aquelas regiões. Tal fato ocorreu há cerca de 14 mil anos. Essas tribos erravam por caminhos tortuosos, em busca de frutas, raízes, água doce e caça.

Esses povos não tinham muito em comum, apenas um traço muito marcante: a religião. Todos os povos adoravam uma divindade zoomórfica, com a forma de um jaguar ou puma

A adoração dessa divindade foi a responsável pelo maior legado arqueológico dessa época, a construção do centro cerimonial de Chavin (não se sabe ao certo como se chamava na época esse centro, devido à inexistência da linguagem escrita; portanto, ele foi batizado com o nome de um povoado localizado próximo a suas ruínas, Chavin de Huantar), por volta de 1800 a.C.

Esse centro cerimonial não consistia numa cidade propriamente dita, mas em uma espécie de sede oficial da religião daqueles povos. Não se pode chamar Chavin de cidade, pelo fato de que no local não residia ninguém além de sacerdotes e seus criados.

Todos os anos, Chavin era visitado por milhares de pessoas, que segundo consta se ofereciam para sacrifício em honra do deus jaguar. Alguns eram sacrificados e a multidão, depois de alguns dias, voltava para suas respectivas cidades. Esse processo desencadeou a expansão da divindade do Jaguar por todos os povos dos arredores da cordilheira dos Andes.

Puerta del Sol - Tiahuanaco

As diversas sociedades andinas, por meio de sua unidade religiosa, mantiveram relações ideológicas comuns, sendo orientadas pelos sacerdotes de Chavin. Entretanto, por motivos ainda obscuros para a Arqueologia, a cultura Chavin entrou em decadência no início da era Cristã, e desapareceu ainda no século I d.C..  

Para ocupar o lugar deixado pela centralização anterior, os diversos povos andinos iniciaram pequenos reinos, dos quais alguns se expandiram para formar verdadeiros Impérios. Alguns desses reinos têm muita relevância para que se compreenda o quão desenvolvidas foram as civilizações pré-colombianas da América. 

Chris Viana - Porta do Sol Cuzco - Peru

É o caso de Nazca, que apesar de estar radicada numa região de clima desértico, conseguiu realizar construções, que somente uma civilização muito bem organizada poderia realizar. É o caso dos chamados Puquios, poços em forma de espiral, que se destinavam a fornecer água potável para as diversas regiões da população Nazca

Esses Puquios eram ligados uns nos outros por gigantescas galerias subterrâneas, que conduziam a água pelo sistema de vasos comunicantes, nos quais a água sempre desce.

Purquios em Nazca - Peru

Até hoje, foram encontrados 13 desses Puquios, os quais ainda não formam um consenso entre os especialistas. Não se sabe, se estes, teriam mesmo sido construídos pelos Nazquenhos ou se são obra dos espanhóis durante o período colonial. 

Porém, a coisa que mais nos intriga quando se diz respeito a Nazca são as linhas de Nazca.

Nazca - Vista aérea


Tais linhas representam entidades que inexistem na região da cidade, como macacos, aranhas e outros. Consistem em grandes linhas entalhadas no chão que só podem ser observadas por via aérea. 

Até o presente momento, não se tem conhecimento de nenhum método de voo inventado por povos da América pré-colombiana que justificassem os desenhos, para uma vista aérea.

Outros dois povos de suma importância que existiram nesse período foram os Tiahuanaco e os Wari, respectivamente localizados nas margens do lago Titicaca e no vale médio do Mantaro

Juntos, esses povos, conseguiram reconstruir a unidade do fragmentado mundo andino. 

Tiahuanaco foi pouco estudada pelos arqueólogos até hoje. Sabe-se que sua expansão dirigiu-se essencialmente para o sul, tendo sido iniciada no século VIII de nossa era.

Os legados mais fantásticos dessa civilização são as grandes construções em pedra, como Machu Picchu, e também; a chamada Porta do Sol, situada numa ilha do lago Titicaca. 

Aliás, a respeito do lago Titicaca é interessante dizer que Tiahuanaco era uma cidade que se situava à sua margem. 

Digo era, não porque a cidade encontra-se em ruínas, mas sim, porque o lago está diminuindo gradativamente ao longo dos anos, e hoje a cidade dista 20 km dele. Titicaca é o lago mais alto do mundo, estando situado a um altitude média de 4000 m acima do nível do mar.

Seu nome significa “mar do alto”, pois suas águas são salgadas e sua largura máxima chega a 60 km por 250 km de comprimento.

OS IMPÉRIOS ANDINOS

Império Wari

O Império Wari teve sua expansão no século IX, sendo portanto mais tardia do que a expansão de Tiahuanaco. Sendo assim, a cultura Wari levava em si forte presença cultural de Tiahuanaco, podendo-se dizer que ambos os Impérios difundiram a mesma cultura. 

O período em que esses dois povos brilharam parece ter sido de grande vigor militar, principalmente no que diz respeito a Wari. 

As cidades do Império eram construídas geralmente em locais onde fosse possível construir apenas um muro reto, que protegesse a cidade, uma vez que as outras quatro paredes seriam substituídas por uma montanha. Ou seja, as cidades  Wari eram construídas em reentrâncias de montanhas.

O território influenciado pelos Impérios Wari e Tiahuanaco, no que diz respeito à sua cultura, não corresponde ao território por eles dominado politicamente, pois sua influência atingia até mesmo regiões livres de sua dominação. 

O Império Chimu

Chris Viana - Frente a um mosaico Chimu - Cuzco

No século XII, os Impérios Wari e Tiahuanaco entraram em decadência. O motivo, também devido a inexistência de linguagem escrita, é desconhecido, até os dias de hoje.

Fato é, que a decadência desses novos centralizadores andinos, abriu novamente caminho para o surgimento de pequenos reinos, dos quais três tornar-se-iam grandiosos, tornando-se dois deles, com efeito, Impérios.

Chimu - Maior achado arqueológico do norte do Peru

Esses três reinos a serem destacados são os Chanka, os Chimu, e os Incas. Como se sabe, os Incas constituíram um império e, como nos diz o título desta parte do trabalho, os Chimu também o fizeram. Portanto, só nos restam os Chanka. Contudo, esses povos, não foram considerados o que se poderia denominar bem, um Império.

Os Chanka eram um povo guerreiro, muito violento. Daqueles que a Europa exibia em sua história como bábaros. Eles tinham algumas características que os assemelhavam aos Dórios (último povo a invadir a Grécia no período pré-homérico), pois também cultuavam a guerra e não costumavam fazer prisioneiros, matando os derrotados em batalhas e com o costume de fazer guerras constantes para obter melhores terras.

Não me aprofundarei no estudo dos Chanka, pois tornarei a falar neles mais adiante, quando sua história se misturar a dos Incas. Retomando, os Chimu foram um pequeno reino que surgiu no litoral do atual Peru (aquele mesmo que no início do item 2 foi descrito como muito seco, até desértico). 

Os  Chimu são oriundos da baía de Guayaquil. Em embarcações de bambu, eles alcançaram por via marítima os vales de Chicama, onde fundaram sua primeira cidade. Esta região, na época da cultura Chavin, foi dominada pelo povo Mochica, que, devido a várias guerras, foi obrigado a abandonar a área. 

Os Chimu aproveitaram muitas ruínas Mochicas no início de sua ocupação. Eram ruínas de construções, mas principalmente de redes de irrigação. Os novos habitantes reativaram tais redes de irrigação e as ampliaram, começando assim, no século XIII, a desenvolver na região uma nova cultura.

Talvez influenciados pelas estruturas encontradas, os Chimu iniciaram sua expansão, no século XIV, tornando-se um Império que, apesar de conterrâneo e contemporâneo dos Incas, tinham mais semelhanças com as civilizações desenvolvidas na Antiguidade por Egípcios e Mesopotâmicos. 

O Império Chimu tinha muitas, senão todas, as características das chamadas civilizações hidráulicas ou ribeirinhas da Antiguidade Oriental.  Podemos comparar (para um efeito de compreensão), os Chimu com os antigos Egípcios.

Assim como os Egípcios, que iniciaram seu desenvolvimento nas imediações do Rio Nilo, os Chimu iniciaram suas comunidades, próximas aos rios que nascem na cordilheira dos Andes e descem sua encosta ocidental. 

Os Egípcios expandiram seus domínios por meio de guerras, e para evitar que os inimigos outrora derrotados retomassem as posições construíam fortificações nas cataratas do Nilo. 

Tumi Inka - Artefato Chimu Wyracocha 

Os Chimu também realizaram sua expansão pelas guerras, e para impedir a reconquista dosterritórios por parte dos inimigos erigiam fortalezas (que acabavam se tornando cidades).

Bem como os Egípcios, os Chimu também criaram sistemas de irrigação muito avançados (chegando a irrigar uma área muito maior do que a que é irrigada hoje na mesma região).

A partir dessa empreitada, os Chimu expandiram seus respectivos Impérios para regiões naturalmente desérticas ou muito secas.

Porém, havia uma grande diferença entre os Egípcios e os Chimu. Ela consiste no fato de que o Nilo é um dos maiores rios do mundo, e que portanto nunca secaria, enquanto que os riachos dos quais dependia o Império Chimu, não ofereciam tamanha segurança.

Os Chimu chegaram a dominar quase todo o litoral daquele que posteriormente foi o Império Inca. 

 Os Incas (Inka)

Ritual Quechua - Machu Picchu - Cuzco

Esta é de fato, a parte principal da minha pesquisa, constituindo as anteriores apenas  um grande prólogo para esta e as próximas. Ela se encontra dividida em sub-itens, pelo fato de ser muito extensa. Esta divisão proporcionará maior clareza na compreensão  dos fatos.

Inicialmente é bom que se explique que o nome do Império Inca era Tawantinsuyu, uma palavra Quéchua que significa “As quatro Terras”, ou também “Os Quatro cantos do Mundo”

Mas por que esse nome? A resposta é simples, mas será dada aos poucos, à medida que se avança na história desse povo maravilhoso que habitou as regiões hoje ocupadas por Peru, Bolívia, Colômbia, Chile e Equador.

 A Colcha de Retalhos Étnica

Até agora, estudamos vários Impérios que existiram na América do Sul, antes dos Incas. Percebemos que esse Impérios não eram Impérios no sentido tradicional do termo, mas, sinônimo de reinos indígenas.

Antes de continuarmos, é bom que se esclareçam os conceitos. Reino é uma extensão de terra, contínua ou não, que se encontra sob a autoridade de um monarca. 

Um bom exemplo de Reino é a Inglaterra, que apesar de todas as suas terras não serem contínuas, elas estão sob a autoridade de seu monarca. 

Entretanto, Império é a designação de uma extensão de terras, contínuas ou não, a qual está dividida por vários monarcas que juram vassalagem a um, o Imperador. Um bom exemplo de Império foi o Sacro Império Romano-Germânico, aonde os vários senhores feudais, muitas vezes reis, juravam vassalagem ao Imperador. 

Baseados nesses critérios, podemos concluir que o Império do Brasil na verdade não foi um Império, mas sim um Reino, pois toda a extensão de terra estava sob as ordens do Imperador.

Pois bem, o Império Inca, como perceberemos, foi talvez o melhor exemplo de Império que já existiu. 

A etnia Inca, cuja origem é a cidade de Cuzco, realizou sua expansão, dominando outras cidades e povos, sendo estes subjugados e obrigados a jurar lealdade ao Imperador (que no Império Inca, recebia o nome de Inka (na verdade, a grafia poderia ser com “C” também, mas optamos aqui por escrever com “K”, para facilitar a compreensão). 

Entretanto, os antigos governantes dos povos conquistados não eram depostos de seus cargos, uma forma de o Inka demonstrar sua bondade.Os governantes tribais (chamados de caciques entre os índios brasileiros), eram conhecidos como kurakas entre os índios andinos, passavam a ser uma espécie de prefeito da nova cidade conquistada pelos Incas. 

É claro que, com essa política, os Incas mantiveram as diversas tribos que compunham seu Império fortes, à partir de uma manutenção do seus costumes antigos. Isso também alimentava as esperanças dos kurakas de obter seu antigo domínio de volta, como era antes, e não sob tutela Inca.

Por isso, quando os espanhóis chegaram os kurakas se uniram a eles contra os Incas e a anexação do Império tornou-se mais fácil do que seria se a política fosse diferente. Desta forma, o Império do Sol, se expandiu e alcançou nossos dias.

Sol - O deus dos Inkas

Em muito povos antigos, o Sol se tornou um dos principais, senão a principal divindade. Foi assim com os indígenas brasileiros, que tinham em Tupã, seu deus supremo, simbolizado pelo sol.

Os Astecas (América Central e Norte),  tinham em Huitzilopochtli, representado pelo astro solar, sua divindade suprema.

Os Egípcios, em Ámon-Rá e Áton, representavam através do círculo solar, sua adoração ao sol entre outras de seu panteão. 

Os Incas,  consideravam o Intip (sol), como divindade suprema. Tal qual os faraós Egípcios, O Inka, era considerado também uma divindade. Portanto, o Império era representado através de uma espécie de teocracia, onde o líder é considerado uma divindade.

O Inka era o filho do Sol (Intip churin), e como tudo pertencia ao Sol - tudo pertencia ao Inka. Desde as terras, até a vida das pessoas. Ninguém podia tocar no Inka, nem sequer fitar seus olhos. 

Quando ele fazia alguma aparição pública, exceto aqueles a quem ele próprio liberasse da obrigação, deviam deitar-se no chão, com a cabeça voltada para este. 

Quando os Incas conquistavam novos povos, obrigavam seu governante a jurar lealdade ao Inka. Sobrepunham Intip aos deuses locais, criando então uma hierarquização religiosa própria em cada lugar.

Assim, todas esses povos, em suas diversas organizações religiosas, tinham em comum Intip, como deus principal e supremo.

As demais divindades da etnia Inca, eram em sua maioria, representadas pelas montanhas. Cada montanha simbolizava um deus. Era como se, dentro de cada uma existisse uma divindade. 

Os deuses dessas montanhas eram chamados de Apus. A palavra Apu, quer dizer rico. Portanto, além de deuses, essas montanhas, designavam ainda,  os Quatro Reis do Império, cuja função explicaremos mais adiante.

Além do Intip, uma outra divindade comum a quase todas as culturas andinas no Impéria, era Wiraqocha. Ele é o deus do mar,  representado pelas espumas marítimas. É uma divindade muito antiga, provavelmente uma herança da Cultura Chavin.

Uma crença persistia no Império Inca: "Um dia o Wiraqocha retornaria para trazer a paz e a justiça ao Império. Desta forma, as oferendas jamais poderiam faltar. Inclusive na forma de sacrifícios humanos. Esses rituais enalteciam o deus das águas e apaziguava seus ânimos.

Oferendas para Pachamama

Pachamama é a deusa da terra e da fertilidade. Tem origem nas culturas pré-incas e ainda é venerada nas comunidades andinas. É semelhante à Gaia.

Para esta divindade, uma oferta simbólica, na qual o homem retorna à terra o que lhe tirou. O objetivo principal é a gratidão e a reciprocidade entre os seres humanos e a natureza.

Com esta oferta, o povo andino pede permissão a Pachamama, para abrir o portal entre a terra e o espiritual, e oferece-lhe produtos tais como: licor de chicha, folhas de coca, carne de alpaca, lhama, batata, ganso e outros produtos agrícolas.

Até hoje, esses rituais são praticados em toda a região andina.. Essa prática é chamada de ‘pagamento de terras’. É  possível visualizá-la em Cusco, na cidadela de Machu Picchu e todas as cidades andinas. É celebrada em 01 de agosto. Existem rituais para plantar e colher. Para isso é preciso permissão para celebrar ou mesmo, participar do Rito.


Sagrado Inka - Veneração à Pachamama

Consagração à Pachamama: flores

Na trilha em rumo ao sagrado Quéchua, em La paz, Bolívia, é possível verificar os patuás e utensílios, ainda hoje, usado como sacrifício. Nossas fotos foram tiradas em La Calle del Brujas.

 
O Tawantinsuyu 

Tawantinsuyu e suas quatro regiões  Como já referimos em um momento anterior, o nome do Império Inca era Tawantinsuyu. Uma vez que já também já foi mencionada a tradução da palavra, vamos agora desmembrá-la, para explicar a divisão Imperial. 

Tawantin significa quatro, o número 4, e  suyu significa terra, ou terras (nas vezes em que coloco a letra “S” no final de palavras quéchuas, fazemos isso apenas para facilitar a sua leitura, pois o plural nessa língua não era feito dessa forma).

Depois que Pachukuti, o nono Inka, iniciou de fato a expansão territorial do Reino de Cuzco, o Tawantinsuyu começou a se formar. Sua divisão é simples. Os Incas consideravam Cuzco, sua capital, como sendo o coração do mundo.

Deste modo, pela cidade passavam duas linhas imaginárias em diagonal: uma que ia de noroeste para sudeste, e outra que ia de nordeste para sudoeste dos seus domínios. Desta forma, o Império ficava dividido em quatro partes (suyus).

O suyu do norte recebia o nome de Chicasuyu; o do sul era chamado Kollasuyu; o do leste, Antisuyu e o do oeste chamava-se Kuntinxuyu. Cada suyu era considerado um reino independente, sendo governado por um Apu. Existiam portanto quatro Apus, que deviam obediência ao Inka, constituindo-se assim, um Império na concepção exata da palavra.

Os suyus eram divididos em províncias, como grandes Estados. Cada província era administrada por um governador, chamado Tukriquq. Ele morava na cidade principal da província, que era dividida em diversas regiões. 

Cada região tinha o governo de um Kuraka (antigo chefe da etnia conquistada, a área ocupada anteriormente pela etnia seria a área que o kuraka controlaria; assim, os diversos kurakas se hierarquizavam de acordo com as antigas posses de sua etnia).

As regiões eram divididas em partes: podiam ser cidades ou aldeias. Geralmente eram aldeias, pois havia poucas cidades, normalmente uma por região, na qual morava o kuraka.

Aldeias e cidades eram habitadas por Ayllus. Estes formavam a base do Tawantinsuyu, representando a união de familiares e amigos numa espécie de clã que se unia para viver junto e trabalhar com mais eficiência, tanto para viver melhor quanto para servir melhor.

No Tawantinsuyu não havia ninguém que não tivesse terra. Quando alguém nascia, recebia das mãos do kuraka, um topo, quantidade de terra considerada suficiente para sustentar uma pessoa. Sendo assim, se a família fosse composta por três pessoas, teria três topos, e assim por diante.

Quando uma pessoa morria, seu topo voltava para as mãos do  kuraka, para que ele sempre tivesse terras disponíveis para dar aos recém-nascidos. A riqueza de um família era indicada pela quantidade de pessoas que ela tivesse, ou seja, quanto maior a família, mais topos e mais riqueza.

Os três principais pontos de importância dos ayllus, e consequentemente da sociedade Inca, eram a mita, a minga, e principalmente, o ayni. Para este último faremos um sub-item especial.

Falemos agira, da menos importante das três: a minga. A minga era um costume popular que até hoje é de certa forma utilizado não só no Peru, mas também em vários países, o Brasil inclusive.

Ela consiste num trabalho pago com uma festa. Daremos um exemplo atual: 

"Suponhamos que em um conjunto habitacional brasileiro de classe humilde é realizado um mutirão para a construção da casa de alguém. Quando esta fica pronta, o dono geralmente dá uma festa de inauguração da casa, onde fornece comes e bebes para agradecer aos amigos que o ajudaram a construir a nova moradia". 

Isso no Tawantinsuyu era chamado de minga, muito usada como forma dos membros de um mesmo ayllu se ajudarem. Já a mita não era uma instituição tão simples. Sua abrangência poderia chegar a todo o Tawantinsuyu. Poderia ser convocada pelo kuraka, Tukriquq, Apu ou até pelo próprio Inka.

Uma mita consistia num grande conglomerado de pessoas reunidas com o intuito de realizar uma grande obra estatal (as mitas Incas se assemelham ao costume que os Egípcios tinham de, em certas épocas do ano, pagar seus tributos oferecendo-se para a construção de grandes obras para o Estado).

Quando os espanhóis conquistaram o Tawantinsuyu, eles mantiveram ativa a tradição da mita, pois assim poderiam utilizar os índios ao invés de ter que buscar negros na África para trabalhar em suas minas de ouro e prata. 

O ayni era a principal virtude dos ayllus. Sua descrição pode parecer muito simples, como realmente é, mas nem por isso ele é menos importante. Graças ao ayni, a grande maioria dos kurakas aceitava sem maiores problemas a condição de súdito do Inka.

É simples: ayni significa reciprocidade. Mas não uma reciprocidade do tipo toma lá, dá cá, uma vez que isso constituiria um comércio, e não existia comércio no Tawantinsuyu. Tal reciprocidade funcionava da seguinte maneira: para pagar um favor que lhe foi feito, você tem que fazer o favor em dobro para a outra pessoa.

Por isso, os kurakas sempre se mostravam prontos para servirem ao Inka, pois sabiam que receberiam em dobro tudo o que fizessem. Mas o ayni não funcionava apenas entre as autoridades do Tawantinsuyu, mas entre toda a população do ImpérioAs casas de camponeses peruanos atuais, semelhante às utilizadas durante o Tawantinsuyu.  

 

Controle do máximo em níveis ecológicos

Corte transversal do Tawantinsuyu, no atual Perú, direção leste-oeste. O Tawantinsuyu estendeu-se por uma vasta área que ia desde a floresta Amazônica até o oceano Pacífico. 

Nele existiam vários tipos de climas e solos, bem como uma variedade muito grande de recursos minerais. É claro que não existia em todo o Império uma só região que fosse auto-suficiente, por isso era necessário um grande intercâmbio de gêneros alimentícios.

Ou seja, cada região se empenhava em produzir muito daquilo que estava mais habilitada a produzir, havendo assim grande excedente a ser enviado para outras regiões do Tawantinsuyu.

Mas como esse excedente seria enviado para a região que de fato precisasse dele? É resposta dessa pergunta é o que realmente afirmava o poder do Inka. Todos os anos, todos os kurakas do Tawantinsuyu se dirigiam para Cuzco levando consigo os excedentes de suas regiões.

Na capital, eram recebidos pelos Inka, e ficavam hospedados em suas próprias casas na capital (cada kuraka tinha uma casa na capital para ficar nestas viagens e em eventuais outras). 

Realizava-se então o Intip Raymin (Festa do Sol). Esta é a principal festa Inca. Quando o Inka sacrificava uma lhama para o Sol em troca de mais um ano de fartura e prosperidade (essa festa ainda ocorre todos os anos, no dia 24 de junho, em Cuzco).


Depois das festividades, o Inka dividia a comida entre as regiões de forma que todas recebessem tudo o que não produzem. As festividades se encerravam e os kurakas iam-se embora.

Alguns aproveitavam para dar presentes ao Inka ou para fazer algum pedido ou reclamação.Tudo isso só eram possível porque os Incas tinham o ideal de controle do maior número de pisos ecológicos, desde as montanhas mais altas até as praias, passando pela floresta.

Cuzco

A cidade de Cuzco foi a capital do Tawantinsuyu durante sua época de expansão, deixando de sê-lo na época de seu maior esplendor. Inicialmente a cidade era apenas um caótico vilarejo fortificado e dividido em duas partes compostas por quatro sub-partes. 

Ela permaneceu nessa condição até que Pachakuti realizou com perfeição o plano de reurbanização de Cuzco.

A nova cidade projetada por Pachakuti, e que teve sua reforma continuada por seus sucessores, consistia numa miniatura do Tawantinsuyu. 

Ela era dividida em quatro partes. Cada Apu morava na parte que governava; em cada parte existia uma casa para cada Tukriquq e para cada kuraka do suyu correspondente. 

Em Cuzco também se localizava o templo máximo da religião Inka, o Coricancha (lugar do ouro). Inicialmente o Coricancha chamava-se Intipcancha (lugar do Sol), mas depois da reforma de Pachakuti o lugar ficou totalmente coberto de ouro, e o Inka achou por bem passar a chamá-lo de Coricancha. 

O Templo era o centro da cidade, e sobre ele é que se cruzavam as linhas imaginárias que dividiam o Tawantinsuyu; com efeito, o Coricancha era o “umbigo” do Império.

O culto ao deus Jaguar, de Chavin, parece não ter sido esquecido ao longo do tempo, pois a reforma de Pachakuti fez de Cuzco, uma cidade em forma de jaguar sentado sobre as patas traseiras, olhando para o Antisuyu.

RITOS E SACRIFÍCIOS

Na cidade de Cajamarquilla, em seu templo principal de, foram achados indícios de sacrifício humano: Um esqueleto humano, com as mãos amarradas (nas costas). Esse esqueleto era de um homem, continha marcas de um assassinato brutal, seu maxilar estava esfacelado e partido em três pedaços, em condições parecidas, encontrava-se a sua pelve, indicando um forte golpe no crânio, e na virilha.

Junto ao homem, (em covas separadas) foram encontrados os esqueletos de uma Lhama, e em outra cova, um condor. Ambas as covas continham fragmentos de uma mesma cerâmica (Vaso sacrifical)

Nos Andes, esses animais, eram considerados animais sagrados, como já mencionamos. Há indícios (em cerâmicas andinas), de uma iconografia que retrata um condor cavalgando nas costas de uma lhama, correndo pelos prados, cordilheiras e pampas andinos.

Acreditava-se, que isso, fossem apenas fatos fictícios, mas, a sepultura destes dois animais (ao lado do homem sacrificado) indica algo “mais concreto”. Talvez, amarrassem o condor nas costas da Lhama, e antes de sacrifica-los, deixavam a Lhama correr pelo local (com o Condor amarrado à suas costas).

Outra cena na cerâmica, retrata o condor bicando os olhos do moribundo (suposto homem sacrificado). Presume-se que seja um ritual verídico, que acontecia para proteção da sociedade, pois, o homem representava o povo, a lhama representava a terra, e o condor, uma espécie de mensageiro divino. Este ritual, marcou a construção do templo maior e principal de Cajamarquilla e Cuzco.

Enquanto voltava do Peru via Puno, para me familiarizar com as aldeias Quéchuas, às margens do lago Titicaca, em 2008. Tive a companhia de um professor de história do Ensino médio de Cuzco. 

Enquanto preparávamos para atravessar a fronteira novamente entre Bolívia e Peru, na altura de Copacabana, ele me relatou um fato, ocorrido naquele mesmo ano, sobre o assassinato de uma criança de seis anos e, outra, de 15 anos, em Arequipa (PE). 

Como o achado estava de acordo com ritos locais, a polícia abafou o caso, para não trazer alarmes internacionais. Acredita-se que além dos sacrifícios de animais anuais no período das festividades religiosas, também hajam sacrifícios humanos, mesmo que de forma oculta.

Sobre esses rituais e outros costumes, continuaremos na parte dois deste artigo.

Fica comigo. 
Christianne Sturzeneker
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