Tempo de Ressignificar a Existência


Hoje nossa caminhada pretende nos levar a um lugar de ressignificação existencial. O que você tem feito para melhorar a vida de alguém e mesmo, para ressignificar o tempo da existência?

Sim! Eu disse alguém! Não a sua própria vida! Mas como isso pode estar relacionado?

Meditando em certo ensinamento do Mestre Jesus, me deparei com a seguinte frase: "Bem mais aventurada coisa é dar, do que receber!"

Talvez essa menção justifique o ato da caridade. Mas, nem sempre o ato de dar, é deliberativo.

Na minha perspectiva analítica heideggeriana, tudo é uma questão de linguagem. E, claro, interpretação. Como me coloco frente as coisas? A resposta a esta indagação, mostra quem somos.

Pela via hermenêutica,  lá vamos nós! Falávamos de doar incondicionado, como algo realizador no âmbito das relações humanas, não é mesmo?

Voltemos a isso! Mas antes, vamos fazer um dever de casa? Vamos retomar a lição compreendendo a etimologia de algumas palavras que fiz uso nessa reflexão.

Comecemos por condicionado. De acordo com o dicionário inglês Priberam, este verbo implica uma condição de ser de algo ou pôr como condição de algo.

Pode ainda ser compreendido como "pôr ou impor" condições, normas, restrições, limites ou modo de agir. Nisso temos uma relação de troca. Uma intencionalidade. Não é deliberativo. Mas o que vem a ser uma ação deliberativa? Vamos a nossa segunda lição!

A palavra deliberar vem do latim "deliberare", que significa pensar seriamente sobre um assunto ou tomar uma decisão. Para Kant (filósofo prussiano do século XVIII):

"O consenso deliberativo deve necessariamente assumir a pergunta pela alienação e suas origens. Caso contrário, encontrar-nos-íamos com agentes deliberativos em abstrato. Também incorreríamos num erro se esse consenso fosse pensado do ponto de vista da exclusão de todo tipo de moralidade, pois entendemos que, nesse aspecto da moral, o direito e o juízo formam um único mandato: “Tem a coragem de te servires da tua própria razão”.

A partir de uma interpretação menos formal e política, podemos compreender o ato deliberativo à luz de Kant, enquanto ação consciente, compreendida e executada numa finalidade altruísta.

Uma via, na qual se doa algo, não pelo  porque ou para que. A ação se faz na promoção de um bem estar alheio, sem interesses no benefício que esta ação lhe servirá.

Compreendemos que um ato incondicionado a uma ação deliberativa abre portas para ressignificar a necessidade do outro, racionalizando meu lugar na relação e, através de uma ação prática de afeto à realidade do outro, permitindo uma mudança e/ou resposta frente a uma necessidade.

Resta-nos analisar o compreender.  Para Heidegger (1889-1976), a compreensão é o nosso modo-de-ser, o modo como nos relacionamos com a nossa projeção no mundo, na temporalidade, realizando existencialmente este modo-de-ser do Dasein que é o poder-ser, sendo o único ente que em seu poder-ser possui ex-sistência.

Ao encontro dessa característica, o conceito de existência deve ser tomado etimologicamente como ex-sistere, ou seja, estar fora, ultrapassar a realidade simplesmente-presente, reafirmando sua abertura:

" O entender é o ser existenciário do poder-ser próprio do Dasein ele mesmo e isto de tal maneira que este ser abre em si mesmo o que lhe toca. [...] O entender como abrir abrange sempre o todo da constituição-fundamental do ser-no-mundo. Como poder-ser, o ser-em é cada vez poder-ser-no-mundo. Este não é aberto somente qua mundo como possível significatividade, mas o próprio pôr-em-liberdade o ente do-interior-do-mundo deixa esse ente livre em suas possibilidades (HEIDEGGER, 2014, §31, p.411).

Assim, o compreender, torna-se, também, abertura de possibilidades, movimento constitutivo que acontece no tempo. Não há algo compreendido, acabado.

O que há é uma compreensibilidade em constante devir. Todo compreender implica um saber prático, um saber-fazer, que muito mais do que objetivo de qualquer ciência é o fundamento de todo ato compreensivo, e de toda busca por conhecimento.

Quando compreendo o meu portar frente às coisas, incluindo nossas relações sociais, eu ressignifico o meu lugar e o lugar do outro nesta relação. O que é meu? O que é do outro?

A partir da claridade que assiste os modos-de-ser no mundo, é possível compreender esse lugar do "dar" , do "doar", enquanto contingente de um "fazer alguém feliz".

Dar, vem do latim "Dare", que segundo o dicionário Estraviz, quer dizer: ceder, entregar gratuitamente algo a alguém.

Mas quando nos colocamos em lugar de provedor do bem alheio e, desejamos ser reconhecido, agradecido ou mesmo, recompensado. Será que estamos de fato realizando um bem relativo ao outro, ou a nós mesmos?

O ato da caridade, se formos compreender em sua íntegra,   tem sua origem no Latim, de um termo que significava “afeto ou estima”, caritas. Este termo latino, por sua vez, é derivado de outro carus, que significava “agradável, querido”. Este último deu origem também ao termo “caro“.

Ora, ora. Estamos diante de algo que tira de nós  e acrescenta no outro. E em nenhum lugar diz que terá retorno obrigatório.

Vale dizer, que o amor, a caridade, precisa ser, além de voluntária (deliberativa) de acordo com a necessidade do "outro, não o que "eu" considero melhor para este outro. Pois, se assim for, eu estarei realizando meu desejo, e não o desejo do outro.

Desta forma, o mestre Jesus dissemina outra pérola oriental consorte ao doar deliberativo e desinteressado:

"Em verdade vos digo: eles já receberam a sua recompensa. Ao contrário, quando deres esmola, que a tua mão esquerda não saiba o que faz a tua mão direita, de modo que, a tua esmola fique oculta. E o teu Pai, que vê o que está oculto, te dará recompensa." (MT. 6, 1-6, 6-18).

Ah! Mas lá vem o pulo do gato: se eu ainda assim, compreendendo meu lugar de ser doador bem-aventurado, fico esperando a recompensa dos céus,  todo esse esforço foi em vão. Porque apenas a vaidade será reforçada e não o lugar de fazer bem ao outro.

Contudo, uma coisa é certa: na natureza a lei da reciprocidade é verdade!

Sendo assim: é dando que se recebe!

Finalmente chegamos a uma possível resposta frente a nossa provocação inicial. Você tem realizado algo para melhorar o mundo, ou mesmo a vida de alguém, ou acabou de descobrir seu narcisismo?

Bora lá,  dialogar?

Espero vocês!

Da amiga de sempre,

                                                        Christianne Sturzeneker - Copyright©2005-2024🌻 

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